2010-08-11



Risoleta C Pinto Pedro




Para que conste

“A minha mãe inscreveu-me num colégio onde aprendo e sou feliz. E a tua?”

Não sei se é bem assim, mas se não são estas as palavras, é um disparate qualquer do género, non é vero nem bem trovato, para adaptar num luso italiano macarrónico o contrário, adaptado à situação, da expressão conhecida.

Este brilhante slogan anda a passear-se pelas traseiras dos autocarros com a intenção que não é difícil perceber: levar as mães a caírem na esparrela do sentimento de culpa ou na ingénua crença de que há colégios onde as crianças que não são felizes em casa possam ser felizes, indo assim a correr inscrevê-las no referido. Que não vem agora ao caso de qual se trata, nem vou contribuir para a publicidade, mas o anúncio existe na versão feminina e masculina. Colégio para meninas, colégio para meninos. Como dantes.

Eu tenho uma teoria acerca da felicidade nos colégios, porque andei em muitos, em diferentes terras, por causa da profissão do meu pai. Era difícil conservar amigos, assim com a mochila permanentemente às costas. De modo que pude testar, comparar, experimentar e concluir. A cobaia fui eu e os outros miúdos que observei. E tenho para mim algo que não é uma verdade definitiva nem universal, mas que até aqui foi servindo:

Uma criança feliz em casa tem bastantes hipóteses de continuar feliz num colégio, porque para sobreviver à escola (ou ao colégio, neste caso, tanto faz, vai dar mais ou menos ao mesmo, embora haja algumas diferenças consoante as escolas, os colégios) embora não seja uma coisa garantida, mas para se sobreviver sem grandes mossas, num lugar destes, é preciso ser mesmo muito feliz. Ou então muito, mas muito infeliz, a ponto de um colégio poder aparecer como um lugar bom ou pelo menos recomendável. Se o handicap de felicidade é médio, está-se tramado. Foi o que eu vi.

Eu era feliz em casa, sobrevivi à escola, considero-me, sim, uma sobrevivente, não me lembro de ter sido propriamente feliz em qualquer dos colégios onde andei. Foram cinco, entre os seis e os onze anos. Houve um onde fui menos infeliz. Por acaso nem era o “melhor” colégio. Para ser mais rigorosa, até fui feliz, mas em aulas específicas. Recordo-me de uma professora de Desenho, tinha eu dez anos, em cujas aulas aprendi tantas coisas que ainda me recordo, onde apanhei o gosto por desenhar que ainda mantenho, onde aprendi diferentes técnicas que desconhecia, com esta professora muito rigorosa e competente que às vezes era de uma doçura extrema e nos levava pastéis de nata. É claro que a turma não tinha quase trinta alunos como agora, não haveria vencimento que chegasse para tanto pastel de nata. Mas nessas aulas a criatividade e a aprendizagem associadas aos mimos quase maternais daquela professora que ainda por cima tinha um penteado com um corte ultra-moderno e se vestia de uma forma esteticamente muito interessante, foram uma fórmula imbatível da pedagogia para o sucesso e a felicidade.

A minha filha andou uma vez num desses colégios onde é difícil entrar, onde se paga muito e onde … ela não andava feliz. Enquanto teve um professor com quem estabeleceu uma relação humana, tudo correu bem. Depois entrou na linha de montagem e tirei-a de lá. Era o tipo de colégio onde se espera que os meninos tenham notas altas para entrarem no curso que os pais escolheram para eles. A minha filha não estava feliz e eu fiz muito bem em ter posto à frente de um pretenso “sucesso escolar” a felicidade dela. Esta fórmula de sucesso sem felicidade é uma coisa de deitar para o lixo. A felicidade é um pacote onde o sucesso está sempre incluído, seja o que for que se entenda por isso, mas a felicidade é já, por si, o sucesso. Ela recuperou a felicidade depois de ter tido a possibilidade de experimentar faltar a aulas, portar-se mal e escolher o curso que queria depois de ter andado a meter o nariz em vários. Por estes desviantes caminhos se construiu a si mesma como um caso feliz de sucesso escolar que é.

Mas voltando ao anúncio destinado à culpa dos pais e à inveja dos meninos, à impotência e à frustração de uns e outros, é preciso fazer outro anúncio a dizer: Tanga, tanga, tanga. Só porque eu defendo a liberdade e por isso prefiro não colocar a hipótese de existir uma comissão de ética para examinar os anúncios, porque isso correria o risco de, mal usado, se aproximar perigosamente de um lápis azul que convém que não esqueçamos.





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