2010-01-27


Risoleta C Pinto Pedro


Tempo para chorar





Recém-regressada de umas pequenas férias, entusiasmada com a “artificial rentrée”, Helena faz uma agenda minuciosa para os dias. Esta inclui, para espanto meu, tempo para … chorar! Das 8.45 às 9.00. Até eu, que já estou acostumada às suas idiossincrasias, me espanto.

- Helena!

- E depois? Não conheces o Diário de um amnésico, do Erik Satie?

Eu conhecia, mas não entendia exactamente a que aspecto se referia.

-Àquela parte em que ele faz o horário do seu dia enquanto músico, ao pormenor dos minutos. Puro nonsense.

- E tu?

- E eu?

- Sim, também estás a fazer humor?

- Nem pensar, isto é mesmo muito sério.

- Chorar… durante um quarto de hora? Com hora marcada?!

- Até pode ser que não…

- Como…?

- Até pode ser que não me apeteça, mas pelo menos…

- Pelo menos…?

- Pelo menos tenho abertura, tempo, possibilidade, espaço.

- Para…

- Para chorar.

- Com hora marcada?

- Com hora permitida.

- Cada vez melhor… quem permite?

- Eu. Permito-me. A mim.

- Alguém te proíbe?

- Proibia. Eu. A mim.

- Porquê?

- Não tinha tempo. Chorar é uma coisa que não serve para nada, não tem utilidade imediata ou aparente. Tinha coisas mais importantes para fazer.

- E se não…

- … me apetecer?

- Por exemplo…

- Nesse caso, faço o que me apetecer.

- Então… para quê marcares no calendário que esses quinze minutos são para chorar?

- Para não ser preciso chorar.

- Helena!!!

- Eu explico. Quando não tinha tempo para chorar isso era motivo para uma imensa vontade de chorar. Agora que já me permito ter tempo, posso usá-lo para fazer o que quiser, que até pode ser rir. Ou chorar. Ou para não fazer nada. Que é a coisa mais difícil para nós, europeus civilizados e cheios de culpa por tudo o que não fazemos. Até já marquei no meu calendário um tempo para não fazer nada.

- Que é…?

- Cinco minutos antes e cinco minutos depois do tempo para chorar.

- E já vai quase em meia hora o tempo do disparate.

- Muito menos tempo do que aquele que tu vais gastar a pensar nisto, a irritares-te comigo e a rogares-me pragas. Mais vale chorares um bocadinho e verás como ficas aliviada.

Fico sempre espantada com os dons de Helena. Como é que adivinhou que a minha irritação é apenas uma forma de… tristeza?



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