2009-10-21


Risoleta C Pinto Pedro


CONTRIBUIÇÃO PARA UM PEQUENO MANUAL DE REFLORESTAÇÃO HUMANA



"[...] Dir-se-ia que, [...], em cada ano que passa, menos pensamentos visitam os homens em idade de crescer, porque o arvoredo das nossas mentes foi devastado, vendido para alimentar ambições desnecessárias, ou enviado para a serração, e apenas ficou um raminho onde é possível pousar. Já não fazem ninho nem criação entre nós. Porventura, em épocas de maior clemência, poderá passar voando através da paisagem mental uma leve sombra projectada pelas 'asas' de alguma ideia na sua migração primaveril ou outonal, mas ao olharmos para cima, somos incapazes de descobrir a substância do pensamento. As nossas ideias aladas converteram-se em aves de capoeira. Já não se elevam e só alcançam grandeza ao nível dos frangos de Shangai ou da Cochinchina! Aquelas 'gra-an-des ideias', aqueles 'gra-an-des homens' de que ouvistes falar!"

Thoreau, CAMINHAR




E no entanto, não acredito na teoria da degenerescência humana. Podemos ter perdido algumas capacidades, mas outras ganhámos. O ser humano não é menos inteligente, nem menos bondoso, nem mais ambicioso, nem mais medroso. Apenas ainda não aprendeu a lidar com o novo mundo. Um mundo onde o milagre está à frente dos nossos olhos em cada minuto, mas foi tudo tão rápido, é tudo tão dificilmente acreditável, tudo tão insuportavelmente maravilhoso (ainda não aprendemos a introduzir o maravilhoso e o extraordinário no nosso quotidiano), que apenas os conseguimos banalizar, reduzir ao tamanho que enganosamente cremos ser a nossa dimensão: a pequenez, aquilo que é de uma ordem de grandeza muito maior. O espectacular avanço da técnica, os significativos progressos na ordem dos direitos humanos de dos outros seres, a maior consciência planetária e universal, é como se não os merecêssemos, como se não os compreendêssemos, como se não os soubéssemos receber no seu imenso esplendor. E no entanto são produto nosso, da nossa mais alta criação. Mas tão grande é a incredulidade que os diminuímos. Preferimos a mentira ao espanto. E mascaramos os milagres de banal. A televisão parece ter sido criada para transmitir desgraças e futebol, a internet para corromper e invadir, a energia atómica para destruir.

Tal como o progresso, também as ideias continuam a florescer às ocultas, quase clandestinamente. Por falta de árvore onde pousarem. Mandámos as imensas florestas fora e dentro de nós, às ervinhas. Para pasto. De vacas das grandes cadeias da chamada alimentação. Estamos entendidos.

Resta-nos, pois, a clandestinidade. A reflorestação clandestina. Porque a outra é difícil. É mais fácil actualmente destruir uma floresta do que refazê-la. Por todo o lado, mas principalmente na Amazónia.

Geralmente, é nos sonhos que todo este trabalho de sapa se passa. Tive no outro dia um sonho incompreensível, onde eu engolia uma árvore. Inteira. Muito maior que eu, que no entanto, embora de início com algum desconforto (não sou propriamente um terreno agrícola, pelo menos 'ainda' não o sou, embora seja um feliz futuro a desejar para o meu corpo) a árvore no sonho cabia dentro de mim. Continuei a senti-la mesmo depois de acordar. Com mais conforto, porque já era um sentir apenas semi-físico, como se a tivesse parcialmente integrado em mim e já não fosse sentida como um corpo estranho. Quando li este texto de Thoreau, imenso sentido se me fez, embora não pretenda reduzir toda a magnificência de um sonho a uma única interpretação. Para já, tenho sementes a germinar. Projectos de árvores em taça, às escuras, no fundo de um armário, a modesta reconstituição da opulenta fertilidade do ventre da grande mãe. Mas tudo começou com um pequeno passo. Digo, vaso

risoletapedro@netcabo.pt
http://aluzdascasas.blogspot.com/



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