2009-07-08


Risoleta C Pinto Pedro


Do silêncio



Um dia chegou um email. Era um belo texto, mais precisamente uma crónica de autor desconhecido. Falava de uma experiência realizada numa escola onde durante 45’ toda a gente, mas mesmo toda, se sentou e silenciou. E leu. Da secretaria e outros órgãos administrativos, ao bar, salas de aula, corredores. Uma professora, a destinatária desse email gostou da ideia, que reencaminhou para outra, que por sua vez enviou para o presidente do Conselho executivo, que propôs que se lesse no dia seguinte no Conselho pedagógico. Que aprovou. Em peso.

Entretanto soube-se que a autora da crónica era a escritora Alice Vieira, e que a experiência já frutificara em várias outras escolas. Numa delas fora tal o gosto que deixara, que tinham passado a fazê-lo uma vez por período.

Na escola deu-se início à sensibilização geral. Não se queria que fosse sentido como obrigatório, nem se queria que fosse sentido como aleatório. Pretendia-se que a escola se apaixonasse pela ideia e a ela aderisse. Escolhido o dia e a hora, falou-se com os professores que estariam em aula, falou-se com os directores de turma, pediu-se que falassem com os alunos, os alunos da professora que primeiro enviara o email fizeram um cartaz, e na véspera colocou-se sobre o coração de cada um, o autocolante:

AMANHÃ TRAZ UM LIVRO E LÊ

Assim aconteceu. Alguns professores e alunos trouxeram livros a mais para os esquecidos, alguns foram requisitar ao Centro de Recursos, mas a maioria trouxe o seu livro, a ideia não era ler textos de estudo, mas ler por puro prazer. E assim aconteceu. Com uma ou outra prevista excepção, nesse dia, àquela hora do meio da manhã, quem entrasse na escola veria o que viu a câmara do professor que registou o evento, a máquina da ex-aluna que veio até à escola propositadamente para fotografar: alunos e professores lendo nas aulas, professores lendo na sala de professores, nos corredores, funcionários lendo nos seus postos de trabalho, nos corredores, no bar, alunos à porta da escola sentados a ler, alguns sentados no chão em fila nos corredores, de livros na mão.

Um ou outro ruído, sobretudo ao princípio, não tiveram a menor importância, isso apenas fez realçar, pelo contraste, o silêncio que se seguiu. Temos de estar sempre preparados para os que contestam, para os que não se apaixonam. É para esses, mais do que para os que aderem às coisas, que as coisas se fazem. Foram os que nesse dia não se sentaram a ler que tiveram o plácido espectáculo de uma escola em silêncio a ler. Os que o fizeram não puderam vê-lo a acontecer porque foram os seus anónimos actores. Assim deveria acontecer. Mais uma vez, esteve (mesmo) tudo certo.



risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/



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