2009-05-13


Risoleta C Pinto Pedro


O haikai teatral



O teatro de Jaime Salazar Sampaio está para o texto dramático como o haikai está para a poesia. Sendo que, neste caso, estaríamos a falar de haikais com poesia dentro.

Já houve quem fizesse um levantamento da poesia escondida no teatro de JSS, por isso não seria original eu fazê-lo aqui, mas aviso que se procuramos um certo tipo de poesia de um lirismo imediato não a encontramos, é uma poesia do quotidiano, quase imperceptível, mas muito importante no seu texto. Quanto à extensão, reparem que não falo de haikus, que mesmo assim ainda são um pouco mais longos com os seus três versos… sim, admito que algumas das suas peças são haikus, no entanto se folhearmos este recente volume do seu teatro (mas não o último, disso tenho a certeza), estamos perante a versão ainda mais concentrada. Pequenas bombas de sentido, muitas vezes por intermédio de um aparente não sentido, o que lhes confere ainda maior carga emocional, social, política, existencial, e por aí fora.

Tive o privilégio de assistir recentemente à leitura dramatizada pelo próprio autor, de uma das suas recentes peças. Não sei se durou três minutos. Mas teve em mim o efeito emocional de uma vida.

Algo hiperbolicamente, quase poderíamos afirmar que alguns títulos de peças suas peças são quase mais longos do que a peça em si mesma. Até porque alguns dos textos usam como modo discursivo, a repetição (v. “”Pela estrada fora”, por exemplo).

É já quase lendária a tendência de JSS para introduzir nos seus textos notas cénicas que por vezes também ocupam mais espaço do que as falas, mas sinto está a levar um rumo em que qualquer dia deixa de ser exagero a afirmação que fiz antes acerca da extensão dos títulos, passando a ser verdade quase literal. A não ser que os títulos passem a ter uma única palavra. Neste livro muitos títulos têm duas palavras (graças ao artigo…), alguns três, quatro, cinco, podendo ir até seis, sendo que um deles é constituído por três períodos, não constituindo nenhum deles uma frase: “E se. Por acaso. Ainda”. Peça para personagem e caixote. Praticamente um monólogo, para além deste apenas se ouvem umas vozes em off. O título mais curto, o único que é composto de uma única palavra, designa-se “Teatro”. Como não poderia deixar de ser. As personagens chama-se A e B e o tema é (ouso dizê-lo) inexistente. E no entanto…

O que se passa é que o teatro de Jaime Salazar Sampaio é generoso: ele deixa ao leitor, ao espectador ,um amplo espaço, e quanto menos palavras, quanto menos … “tema”, maior é o protagonismo do espectador/leitor, que quase compulsivamente se vê transformado em actor. É que o campo de liberdade é tão imenso que é quase impossível não entrar.

Por outro lado, este autor, ao escrever com uma economia tal de palavras e de “grandes temas” (mas não de ideias, mas não de emoções, mas não de interrogações, perplexidades, vida) mostra-se um verdadeiro ecologista da escrita, porque não só é anti-poluente, poupando o nosso universo literário de excesso de acção, cenários, adereços, tiradas, inovações vazias , como recicla, quase como o alquimista que pegando nos materiais menos nobres com eles cria o ouro (caixas, caixotes, banco de jardim, uma mesa, uma cadeira, um par de botas, etc, em muitas destas peças um palco nu, ausência total de cenários). A provar o conhecido e tão pouco praticado ditado de inspiração oriental de que “menos é mais”.

Também aqui, como na maioria das coisas deste mundo (e se este teatro é deste mundo, oh se é!...) não existe uma relação directa entre extensão e qualidade.



risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/



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