2009-03-18


Risoleta C Pinto Pedro


O café



Eu já sabia que tinha fechado “o café” , essa instituição da minha infância. Um amigo contara-me, comovido, que tinha sido o último cliente. A minha mãe recordou que foram 44 anos de uma segunda casa, uma imensa e colectiva sala de convívio. Mas eis que chego à vila da minha infância e adolescência para uma visita aos meus pais. Olho o café e sinto a ausência das mesas cá fora, vejo-o fechado. Ao princípio não acho estranho. É demasiado estranho para poder achar estranho. Além disso, às terças-feiras é costume o café estar fechado, por ser o dia seguinte ao do mercado. Mas não é terça-feira. Cai-me a realidade em cima. O café fechou. É como se este facto fosse decisivo para impedir que o homem voltasse a pousar os pés sobre a Lua. Porque foi ali que assisti à primeira alunagem, na altura as televisões eram raras. Eu tinha decidido que se voltasse a acontecer segunda vez, seria lá, no café, que assistiria.

Assim, não sei onde irei festejar (ou lamentar) a próxima alunagem. É um problema com que eu fico. Foi lá que deliciei olhos e estômago com travessas repletas de bolos, quando os bolos ainda iam às mesas após o que eram recolhidos os não escolhidos. Ali, na cave, aprendi a jogar snooker.

É claro que não está em causa o direito dos donos ao que consideram o melhor para eles, e para todos os efeitos ninguém pode negar a esta “instituição” décadas de utilidade pública. É pena que a autarquia não possa adquirir o espaço e restitui-lo ao que foi a sua tradição. Não percebo nada de gestão autárquica, possivelmente isso nem seria possível, mas deixem-me sonhar.

Em Lisboa também fomos vendo desaparecer belos cafés para serem substituídos por espaços que encontrei iguaizinhos em Londres, Roma, Paris ou Bucareste, por exemplo.

Não é difícil, é só deitar a baixo e substituir por plástico. Mas não sei se vai ser assim tão fácil com o planeta. A demolição já começou, mas felizmente também não é tão fácil demolir um planeta como foi, por exemplo, o café Roma. Além disso, nós estamos aqui. Para onde nos mudaremos? Tendo desaparecido “o café”, também já não vai haver alunagem. Como nos mudaremos de nós mesmos? Como é que se passa de pato-bravo a arquitecto?, sendo que existem alguns patos-bravos disfarçados de arquitectos e vice-versa…

Não me admiraria que os astrónomos conseguissem qualquer dia descortinar na lua, com o auxílio de potentes telescópios, o anúncio de um novo franchising a “abrir brevemente”… O negócio já começou.





risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/



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