2008-11-12
QUARTA-CRESCENTE


Risoleta Pinto Pedro


O filme: A TURMA

É uma história sem maquilhagem de sabor agridoce, uma viagem sem anestesia pelo meio das dores do que é ser professor hoje. E aluno.

No fundo, o que temos neste filme é o fim de um sistema. Ou o seu estertor. A evidência que teimamos em não querer ver.

O fim do sistema não é o fim da educação. Talvez seja o seu princípio, um novo princípio, que já anda a ser ensaiado aqui e ali, mas enfrentando sempre muitas resistências. Um sistema não morre sem deixar muitas baixas. Neste filme se vê que a estrutura educativa, tal como existe, está em agonia, já não serve para uma sociedade em profunda transformação, para uma realidade em acelerada mutação. Num paradigma social que já não é nada do que era, a escola continua agarrada a modelos profundamente obsoletos. E não é por se encherem as salas de computadores, quer lhes chamem Magalhães, ou Silvas ou Mc qualquer coisa, que a escola se torna mais adequada àqueles para quem existe. Ou deveria existir. Que não deveriam ser as necessidades do mercado, mas a felicidade da humanidade. Por muito revolucionário que isto possa parecer. Mas não é. Isto é do mais elementar que existe, do mais sensato, do mais óbvio e transparente. Uma criança compreende isto. Os seres enlouquecidos em que nos tornámos têm já de fazer um esforço para o entender.

Os alunos de hoje, quer vivam na Avenida de Roma, quer vivam nuns quaisquer subúrbios não são mais nem menos inteligentes do que nós éramos quando andávamos na escola, não são mais nem menos capacitados, nós não somos melhores nem piores do que os professores que tivemos.

O mundo é que já não é o que era. A estrutura tal como permanece (porque, na realidade, na essência pouco mudou) é que já não serve.

Se o professor, apesar de todo o absurdo em que a escola, por não se ter tornado, se tornou (e não me refiro a nenhuma escola, porque as escolas e os professores continuam a fazer milagres e omeletas sem ovos, mas à ESCOLA), numa escola em que o aluno é chamado para as aulas por uma campainha, como nas fábricas desde o século XIX, em que os alunos se sentam “em comboio” de costas uns para os outros (como vão estes miúdos aprender a cooperar?, e contra mim falo, mas como, com os programas que temos, vamos poder dar-nos ao luxo ou ao extremo cansaço de andar a mudar mesas no início e no fim de cada aula “n” vezes por dia, perdendo pelo menos 10 minutos da mesma e incomodando as aulas que decorrem em baixo?) se este professor, repito, este, o do filme, este, o das nossas escolas, apesar de ter na sua sala alunos dos vários continentes, culturas, religiões, línguas, estratos sociais, se continua apesar de tudo a conseguir ser um excelente professor, isto é, como vemos no filme, como todos os dias acontece multiplicado pelas imensas salas de aula do nosso país: atento, empático, dedicado, sabedor, exigente, paciente e… humano, isto é, tendo limites e errando quando o que lhe é exigido, dia após dia, transcende os seus limites… porque os alunos também têm os limites deles e cada vez os alunos chegam de manhã à escola com um nível de stress acima do que tão jovens criaturas conseguem suportar, porque não há dinheiro em casa, porque há discussões, pais desempregados, pais e mães que não falam a língua do país em que vivem, porque estão na iminência de ser recambiados para o país natal, etc, etc, como dizer-lhes que se sentem, que se calem, que não se mexam, que ouçam, que escrevam, que não se distraiam, que se esqueçam das suas vidas, que coloquem a máscara e tenham um comportamento de … ficção?

E se ainda por cima esse professor, esses professores, essas escolas tiverem de rivalizar nas “avaliações” a que agora se chamam rankings com escolas onde os meninos vão à catequese ao domingo e chegam à escola de motorista… Para se conseguir dar aulas nestas condições há duas alternativas, ou cada um traz a sua máscara para fingir que está tudo bem, professor inclusive, e à entrada da aula ou da escola cada um coloca a sua máscara e a aula passa a ser um diálogo entre máscaras, não entre seres, ou… o professor, que já é um exemplo de coragem social só por ser professor hoje, alivia a máscara e permite que o ser emerja na sua esplendorosa verdade. Com todas as consequências que isso pode ter. Uma delas é o professor poder… errar. Quando o ser emerge tudo pode acontecer: o milagre ou a dor. É disso que nos fala o filme. A linha de separação é um fio de navalha. Todos os professores sabem isso muito bem. Os ministros ou não sabem ou já esqueceram. O mundo começa agora a mostrar-nos que o novo paradigma está aí e que já é possível seres humanos ascenderem ao poder de países poderosos. Haja esperança. Vale (muito a pena) ver este filme. Eu fui vê-lo no dia em que 120 000 professores se haviam reunido para exigir que os deixassem ser professores e que os avaliassem sim, mas bem, ou pelo menos não vergonhosamente. 120 000 talvez não seja um número significativo para um ministério preocupado com números. De outro tipo.



risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/



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