2008-05-28
QUARTA-CRESCENTE


Risoleta Pinto Pedro


Ciclo “pianos”

II - Os transportadores de pianos



Não é uma coisa fácil. Por isso, para a terceira mudança de casa do meu piano, que pelos vistos nasceu para viajar (já tantas vezes me interroguei “por que não um violino, uma flauta, ou mesmo um violoncelo ou um contrabaixo, que ao pé do piano são brincadeiras de crianças para levar de um lado para o outro? …”) apesar da simplicidade do primeiro andar (as vezes anteriores fora bem pior, terceiros andares…), resolvi contratar uma empresa especializada. Chegou a empresa especializada na pessoa de quatro transportadores que embora não me parecessem perceber nada de transportar pianos, o trouxeram com relativa facilidade do terceiro andar para a carrinha. O mesmo já não se pode dizer da carrinha para o novo primeiro andar com a sua escada em semicaracol. O piano levou mais tempo a subir o primeiro andar que toda a mobília junta, no dia anterior. Com a agravante de que mesmo desmontado, quando chegou a meio da escada, em pleno redondo, estancou e não passava para cima. Nem para baixo. Entalado entre paredes. Dois homens em baixo, dois em cima, e reforços posteriormente chegados. Eu em cima, à porta, a rezar como sabia, entretanto aprendi mais, para as eventualidades, estas e outras. Os gatos curiosos e sem mostrar o mínimo sinal de comoção, à janela. Creio até que tinham uma secreta esperança de que o bicho grande que rivaliza com eles nos gemidos e a receber carícias, não coubesse, não entrasse, recuasse, se pulverizasse ou caísse, se partisse todo, porque sabe-se que os pianos, ao contrário dos felinos, não têm sete vidas, embora este já tenha provado ter pelo menos três e eu acredito que tenha mais.

Ao fim de muito tempo sabe-se lá como, ou porque a situação não podia durar sempre, ou pela habilidade dos homens, ou pelas minhas orações, ou pelo cansaço dos gatos, o piano começou a mover-se devagarinho e a avançar escada acima. Chegou a casa todo esmurrado, transpirado, creio até que um pouco humilhado.

Já passaram alguns anos, os efeitos atenuaram-se, em tempos ainda pensei em informar-me se haveria psicólogos para pianos (já há para gatos), por outro lado, um piano que já passou por três mudanças de casa, ameaças de esmagamento, ódio dos gatos e a humilhação de servir de cinzeiro, e continua a tocar praticamente dispensando afinador, é um piano com uma excelente saúde mental, o melhor é não estragar.





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