2008-03-05
QUARTA-CRESCENTE

Risoleta Pinto Pedro


DO AR
Pára-quedas
(Conversas com Eulália à beira-rio)



ELEMENTOS:

É de todos
o ar
o que da terra imita a substância
e na frescura da água o brincar
e do fogo a elevação.
Das flores
a imaginação
o voar



Foi num sonho. Eulália descia no vazio. Sem pára-quedas. Passou nuvens, passou sonhos, meteoritos, estrelas, medos, segredos, uma fada, duas sílfides, sonhadores, almofadas, sonos, fumos, pássaros, aviões, ventos, muitas almas, esperanças e remorsos, dores, saudades e rancores, perfumes e odores, gazes, gozos e vapores, sopros, brisas, furacões, feiticeiros, bruxas e xamãs, músicas, poemas, flocos de neve, folhas secas de Outono, raios de sol e luar, pétalas de um casamento, folhas de um diário, e até um herbário, mails perdidos, desejos encaminhados, milagres à procura de oportunidade, orações de crentes, anjos, asas desencarnadas e sombras à procura de uma forma, reflexos do espírito, cavalos alados, palavras perdidas, verdades reencontradas, cintilações, velas de aniversário, gestos esboçados, risos de alegria, zumbidos de abelhas, insectos, sons indistintos, coaxar de rãs, afagos, auras, brilho de cobre, resplandecimentos na mais profunda obscuridade, espaços sem fim, misteriosas claridades, amorosos calores, pensamentos e suspiros, chuva, fluxos e refluxos, eterno movimento, atmosferas e vazios, buracos negros e frios, reinos e leis, momentos, audácias, práticas mágicas, memórias, respostas mudas, interrogações achadas, objectos perdidos, remoinhos, ar puro, lendas, massas de ar, velas de caravelas, balões, electrões, grãos de areia, emoções, arco-íris, Alice, a do país das maravilhas, lençóis a secar em estendais, antigos bordados restaurados, canções de embalar e outras de dançar, passos de dança, saltos de atletas, barbas de profetas, cabelos ao vento, o homem-aranha, teias, fios de seda, sementes em voo, beijos recordados, histórias e memórias, vozes, ritmos, harmonias, mudanças de pressão, gáudios, gratidão e bênçãos.

Eulália passava, as coisas permaneciam e ela descia. Cada vez mais vertiginosamente. Já via as copas das árvores, os cumes dos montes, os telhados das casas. E ela descia. Não tinha pára-quedas nem nada a que se agarrar para além do… ar. Foi então que se lembrou do respirar, esse mágico oscilar, esse suave pousar. A aterragem foi doce e deslizante. Os lençóis de seda e o edredão de veludo ampararam a queda que não houve. Apenas um levíssimo estremecimento mais como um brisa, um ligeiro vento. O corpo amparado pelo ar elevou-se ainda um pouco, um milímetro e voltou a repousar.

Agora, como acordada, toda a descida lhe pareceu um sonho, uma suave viagem, como uma pena que procura um oriente que a aguarde. Ou um suave destino.

risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/



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