2007-11-28
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


DAS CORES

Falou-me então das cores. Vinha de verde, um verde metalizado rápido, arejado, perfumado.

Do verde, que lhe pareceu uma espécie de centro, ou que senti como um centro, e discorreu sobre o arco-íris. E disse:

- No início é o vermelho.

E perante o meu espanto.

- Sempre.

E acrescentou:

- Tem sido assim. O sangue, o grito, o abismo. Vermelhos.

Falava com a naturalidade de quem costuma pensar em termos de vermelho sangue, vermelho grito, vermelho abismo.

- Depois, o…

E hesitou. Pensei que se tivesse esquecido. Comecei a dar palpites. Pelos vistos, todos ao lado, pelo ar indignado:

- Laranja!

- Amarga?

- Definitivamente já te calavas…

- Sorry…

- Laranja ventre.

Definitivamente não acerto uma…

- Ventre?!

- Obviamente. Laranja casca, laranja sumo, laranja quente. Umbigo, cordão, terra, chão. Aqui, já estás salva.

Respirei de alívio. A conversa estado difícil. Podia ser que a partir de agora melhorasse.

- E a seguir?

- Se houver a seguir…

Recomeçamos, pensei.

- Mas há, podes estar descansada.

Não sei se posso, vamos lá ver…

- Amarelo…

- Sol???

Não tenho emenda, continuo a arriscar.

- Amarelo… plexo…

- Bolas!

- … solar!

E sorriu. O primeiro sorriso.

- Ah!

Respirei.

- E mais?

- Amarelo fogo, amarelo esfera, amarelo folha seca de Outono.

- Não esperava a folha seca de Outono…

- Tens de esperar sempre.

Não contesto, não me atrevo. Aguardo.

- Verde…

- … prado?

- E suspendo-me.

- Pode ser.

-Ah!

Relaxo.

- Verde sangue.

Era de esperar… agora que isto estava a ir tão bem.

- Verde sangue?

- Verde mar, verde amor. O contrário do verde é…

- O verde tem contrário?

- No teu mundo tudo tem contrário. Estou a falar na tua linguagem, para que me entendas.

- No teu mundo não há contrários?

- Um dia saberás. O contrário do verde é…

- Deixa-me adivinhar…

- Sei mais do que tu sobre o teu mundo…

- E pelos vistos sobre o teu…

- Isso é natural…

- Pois é.

- Então, qual é o contrário do verde, no teu mundo?

- Vermelho!

- Afinal sabias!

- Tenho de ter alguns trunfos, não é?

Desta vez ignorou-me, não deve ter gostado do excesso de confiança.

- Verde véu, verde esperança, confiança.

- Confiança?!

- Abre o teu verde e deixa-me entrar.

Foi aqui que o Anjo entrou em mim. Do verde ergueu-se em azul turquesa e cantou. Elevou-se um pouco mais num mais escuro azul e cintilante, fez-me elevar com ele até uma irrequieta espiral violeta onde nos perdemos ou pelo menos assim pensei. Já estava tonta, mas sentia-me bem segura. Agora o meu corpo era um cristal puríssimo, mas não tinha solidez, do cristal era só a luz, a transparência, o reflexo. Fui então todas as cores, e o anjo verde, o meu raio de sol. Aqui terminou o sonho.

- Assim, Helena?!

- E começou a realidade.

Neste momento atravessou-me um raio verde a partir do pôr-do-sol que observávamos. Quando voltei a mim Helena já não estava lá. E o anjo também não. Mas senti um formigueiro por dentro do meu corpo, uma espécie de movimento de cor. Não sei explicar melhor. Mas vocês, os que recordam bem os sonhos ou a infância, sabem do que falo. Conversas com anjos de quem experimentou a solidão. E a transformou em cor.

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de
amor

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