2007-11-14
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


DESENHAR NO CÉU

Uma vez tive um sonho com o céu. O céu estava cheio de desenhos geométricos a preto, branco e cinzentos iguais a um vestido que eu tenho. E estava perto, o céu. Como um véu. Desenhei o sonho, num papel. Timidamente, a medo, como quem não sabe, como quem não pode, como quem não ousa, como quem não é capaz, reproduzi o que consegui sobre uma folha. O céu. Já não era o véu, mas era o meu. Desenhei o céu que pude. Tudo necessita de um esboço. O céu também. Como haveremos de conhecer o céu se não esboçarmos antes no papel, no tecido ou na tela? Ou na vida…

Mas no outro dia eu desenhei no céu. Mesmo. Estava no monte da Lua com um grupo de gente e dançava-se. Coreografava-se. Umas espadas na mão faziam de chaves, de pêndulos, de naves, de incêndios. À nossa volta, as nuvens. Nós estávamos sob, sobre, mergulhados em nuvens, que passavam docemente pela pele como uma carícia fria, mas doce. No céu de cima prolongamento do céu em que estávamos, mais nuvens. Cinzentas, como num vestido que eu tenho. E nas nuvens, por milagre dos projectores ou das nossas projecções, estávamos nós e dançávamos, desenhados por nossos próprios corpos, como num gigante teatro de sombras. Sobre as nuvens tela. Nunca me tinha visto no céu, mas agora que posso começar a configurar na terra um sentimento de céu, já posso desenhar-me como sombra nas nuvens e perceber que afinal o céu está tão próximo, e é possível desenhá-lo e vê-lo. E senti-lo. E vivê-lo. Na pele das nuvens que somos. Em peregrinação de céu.

risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/


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