Helena gosta de artes marciais. Vem praticando tai-chi no seu jardim secreto já há alguns anos. Agora meteu-se-lhe na cabeça que vai aprender a forma da espada. Ao ritmo de um movimento por dia, ou por semana.

- Assim sendo, Helena, quando vais ter a forma toda aprendida?

- Daqui a um ano… ou meio. Ou mais. Ou menos.

- Em que ponto estás?

- Sensivelmente a um décimo.

E depois de teres a forma toda aprendida, quanto tempo levas a executá-la?

- Cinco minutos. Ou três. Ou mais. Ou menos. O tempo que eu quiser. Posso levar meia hora. Ou um minuto.

- Um ano para aprender uma forma de minutos?!

- E não é bom?!

- Um ano, Helena?!

- Não achas pouco? Não é assim a vida? Ou… pior? Não levam as pessoas uma vida a aprender coisas para no fim terem de desaprender tudo… a única forma de tudo ter valido a pena? Se eu levar um ano a aprender cinco minutos… é maravilhoso!

- E como vais arranjar tempo no meio dessas coisas todas que fazes?

- Há sempre tempo…

- Para tudo?

- Não, para tudo não! Por isso é que há tanta gente no mundo, uns fazem umas coisas, outros fazem outras, ninguém conseguia fazer tudo; mas não havendo tempo para tudo, há sempre tempo para tudo aquilo para que eu quero que haja tempo. O problema é quando as pessoas fazem tudo menos aquilo para que queriam ter tempo, mas isso… é escolha delas.

- E para que serve? Estás a pensar ir lutar com alguém?

- ‘tás parva?!

- Então para que te serve fazer o tai-chi da espada?

- Não serve para nada, claro!

- Tanto trabalho para nada?

- Justamente.

- Estás bem?

- Nunca estive tão bem…

- Mesmo perdendo um tempo enorme a aprender uma coisa que dura cinco minutos e não serve para nada?

- Vês como percebeste?

- ???????

- As coisas que não servem para nada servem para tudo. O problema das coisas que servem para alguma coisa é que servem só mesmo para aquela coisa. Compreendes agora por que gosto de “perder tempo” com coisas que não servem para nada?

- Compreenderei?

- Um dia, um dia. Começa já a treinar. Um pensamento por dia. Como um movimento. Ou por mês. Ou por ano. Estás sempre a tempo e o tempo és tu que o fazes…

Por que razão me deixa esta mulher às vezes com um nó na garganta?... Ou irritada? Ou… nem eu sei como?

Acho que vou passar por uma loja de chineses e comprar uma espada. Para começar. Mas não lhe vou dizer nada.

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