2007-08-01
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


O perímetro do círculo e o volume dos sólidos

"I don't write about my experiences, I write out of them."

John Ashbery (1927), poeta



Ao contrário de mim, Helena tem um problema para adormecer. É na hora do desistir, é na hora do libertar, é na hora do confiar, é na hora de se entregar no colo do anjo, que Helena prende, que Helena agarra, que Helena prolonga a mente. Indormente. Dementemente. Umas vezes é uma equação matemática, outras, uma fórmula química ou uma equação geométrica. Que não a deixam dormir. Ou que ela não deixa repousar no mundo das abstracções e traz para a cama, reduzindo a matemática, a física, a química, a geometria, a uma insónia. Desde o perímetro do círculo ao volume dos sólidos. Ao contrário de mim, que se acordo com um poema o melhor é escrevê-lo mesmo e entregá-lo ao papel para que me deixe dormir, no caso dela, se acende a luz para resolver o problema, ainda é pior. Porque não dorme enquanto não consegue resolvê-lo. E o drama é que uma vez resolvido surge outro, e depois mais um, e o laboratório científico mental pode arrastar-se até às seis, sete da manhã. A vantagem de um poema é que não tem nada para resolver. Ele é a re-solução no estado mais puro, mais cristalino, mais irradiante. O poema contém em si todas as fórmulas químicas e sagradas. Re-solvidas. Sonhar com um poema é sonhar com a criação do mundo. Uma vez o mundo criado, Deus dormiu. Para nos deixar entregues ao nosso livre arbítrio. Acorda apenas quando estamos a dormir, para nos segredar os sonhos. É por isso que é importante dormir. Para acordar Deus do seu sonho narcótico. Sinto muito essa responsabilidade. Por isso, sonho poemas. Às vezes sob a forma de fórmulas: químicas, matemáticas, geométricas, poéticas, sagradas.

risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/



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