“…a angústia respiratória é a angústia fundamental…”

Imaginem agora o seguinte cenário. Talvez seja ainda uma cena de ficção científica, mas com fortes probabilidades de vir a tornar-se realidade.

O viajante está para chegar. Tudo está preparado. Por dentro e por fora. É um dia de festa. Há flores, música, danças, sorrisos, frutos, licores, todos os que amam o viajante, os que o conhecem e os que estão para o conhecer, todos se preparam para lhe dar as boas-vindas. Alguns recordam as suas próprias viagens, e convocam apenas os momentos bons.

A roda do tempo flúi e o momento aproxima-se. A viagem teve os seus momentos difíceis, sobretudo mais para o fim, quando o cansaço já era muito, mas todos consideravam o facto como natural e ninguém se angustiou com isso. Baixou-se o volume do som, aumentou-se o ritmo da dança e dos sorrisos e o aspirar dos perfumes, e o ambiente ficou tépido e húmido e agradável e tranquilo. Finalmente, o viajante chegou. Vinha húmido, desalinhado e cansado, mas foi recebido com sorrisos. A mãe acolheu-o sobre o seu corpo e respirou sob ele, com ele, tranquilamente. Acariciou-lhe a pele e lavou-o com lágrimas de emoção. À volta dos dois corpos, todos respiravam tranquilamente ao som de música suave. Faziam-se saúdes com champanhe e licores. O pai, levemente ébrio, aproxima os lábios da pele do pequeno viajante e sopra-lhe palavras de alegria: “Sê bem-vindo, esperámos tanto por este momento, estamos tão felizes com a tua chegada, somos tão abençoados por entrares na nossa vida!”. Então o pequeno ser para quem o ar estava a ser uma experiência dolorosa e densa ao entrar nos pulmões ainda virgens, novinhos a estrear, decidiu que decididamente este era um sítio muito simpático para se viver, com gente amável e tranquila. E disse para os seus botões que ainda não tinha: “Sim, definitivamente, quero respirar, quero conhecer melhor este mundo. Isto promete.” risoletapedro@netcabo.pt
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