2007-04-18
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


Conversas com Helena sobre sentimentos, emoções e equívocos

Conversávamos sobre racismo e xenofobia. Helena atirava com uma das suas surpreendentes tiradas:


- Vem do sentimento de não merecimento…

- Como???

- … de sermos uma espécie de bastardos, que não merecemos estar aqui; então há que justificar, há que ganhar reconhecimento, há que merecer, há que mostrar, há que convencermo-nos que somos melhores, mas “como não somos suficientemente bons”, ou pelo menos, se não o pensamos, sem o sabermos assim o sentimos, há que convencer o mundo que os outros são piores, seja lá por que razão for, pode ser a cor da pele, pode ser o sítio onde nasceram… racismo, xenofobia.

- Mas se normalmente se expressa em orgulho e arrogância…

- Justamente. Para disfarçar. Dos próprios. Pensas que é fácil lidar com o sentimento de não merecimento? Não é uma coisa suportável. E afinal, não é preciso justificar nada nem coisíssima nenhuma. Estou aqui e isso já é um precioso presente ao mundo e o mundo também não necessita de se perfumar para mim, aceito-o como é, e assim. Não precisa de se agarrar à liberdade quem é livre, não precisa de cerrar os punhos quem é rico, não precisa de expulsar o outro quem não sente claustrofobia, não precisa de rir às gargalhadas quem está feliz, não precisa de declarar amor quem ama, não precisa de declarar ódio quem odeia…

- Espera, explica-me lá essa…

- É simples…

Para Helena tudo é simples…

- O ódio é uma intensa paixão. O contrário do amor não é o ódio. O ódio é um sentimento muito próximo da paixão. É mesmo uma paixão. Uma obsessão. Uma forma desvirtuada do amor, o ódio está para o amor como um esgar está para um rosto belo. O belo rosto tanto acolhe o esgar como acolhe o sorriso Quem odeia não consegue desligar-se do que odeia. É pior que a maioria dos casamentos. Aliás, muitos casamentos transformam-se nisso, uma ligação de ódio contida, para a vida e para a morte.

- Onde é que nós íamos?

- Racismo e xenofobia, ódio e medo. É tudo a mesma coisa. Sobre amor falaremos noutro dia.

Não valia a pena protestar. Quando não está para aí virada, não adianta. Assim ficou adiada a conversa sobre o amor. Mas não o amor. Que, segundo entendi, está para além das conversas. E dos medos. E dos apegos. E de tudo o resto. A única verdade. A única liberdade. Acho que percebi. Percebi? Preciso de pensar melhor sobre o assunto.

risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/



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