2021-01-20



Risoleta C Pinto Pedro


DA VISIBILIDADE



Sabemos que quanto mais intensa é a luz, mais se vê tudo o que nos rodeia, mesmo aquilo que existia e não víamos, por falta de iluminação.

Estamos a viver um momento assim. Não, não creio que estejamos a viver um tempo pior do que outros que a humanidade já viveu. Basta-nos olhar um bocadinho a História. Inquisição, nazismo e outros comportamentos eugénicos dizem tudo por nós. Acontece é que talvez estejamos mais sensíveis, talvez estejamos mais lúcidos (logo, com mais luz), e sem dúvida, last but not least, somos nós que estamos mergulhados no presente, enquanto que em outros momentos da História eram "outros".

Ouvimos dizer que somos, nestes dias, o país da Europa com mais gente a morrer, com mais gente a contaminar-se. Assistimos, ainda que à distância, há alguns dias, à morte em série de pessoas afogadas nas suas próprias secreções, em Manaus, no Brasil, por falta de meios para lhes valer.E isso teria sido evitável. Ficamos chocados. Como se não bastasse, e talvez na mesma ordem de ideias, testemunhamos um crescimento dos movimentos da extrema-direita, quer concentrados em líderes daqui e dali, quer em inquietantes manifestações de grupos descontrolados. No entanto, quando Trump começou a falar, ainda nas primeiras vezes, ainda na campanha eleitoral, a sua expressão era mais próxima do vómito do que da fala, tudo indicava que poderia acontecer o que se seguiu. Mostrava um desrespeito total por toda a gente. E ainda não acabou. O estertor é duro.

Ao nosso nível, estamos a viver algo que evoca aquele déjá-vu. Tudo mais pequenino, mais tímido, à nossa medida, mas está lá. Ninguém pode afirmar que foi ao engano, como não poderão afirmá-lo os eleitores de Trump. O desrespeito pelo outro é sempre um grande sintoma, um grande medidor ético. Se é que isso ainda tem alguma importância para essa entidade abstracta designada por eleitorado. Mas as pessoas continuam a deixar-se enganar. Por si mesmas. Ninguém engana ninguém, se o outro não estiver predisposto a deixar-se enganar.

Voltando à pandemia, fala-se agora da mortalidade dos mais velhos e muito se tem falado da necessidade de protecção destes. Por muito que compreendamos o problema, não deixa de nos chocar, como sociedade, o apartamento das suas famílias que as pessoas em lares têm vivido. Mas... será isto assim tão novo? Desconheceríamos nós que, independentemente dos cuidados de muitas famílias, que independentemente da dificuldade de muitos filhos e outros familiares cuidarem dos seus por terem de ganhar duramente a vida, que independentemente da qualidade de muitos dos cuidadores dos Lares e até de Lares na sua globalidade, um grande número de idosos tem sido "abandonado" à sua sorte fechado em sítios estranhos e rodeado de estranhos, com raras visitas? No fundo, a pandemia veio generalizar e dar realce e visibilidade a uma situação que a maioria de nós, por falta de tempo, por impotência, sabe-se lá porquê, conhecia, mas ignorava. Agora já não é possível. Os invisíveis tiveram de ser tão escondidos numa tentativa para enganar um vírus demasiado célere, que saltaram para baixo dos holofotes, para as televisões e para os jornais, para as redes sociais. Resplandecem de recolhimento.



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