2020-06-24



Risoleta C Pinto Pedro


Da eterna modernidade



Existe uma pintura no notável Museu Grão Vasco, em Viseu, perante a qual estaquei com um sentimento de familiaridade que não consegui, de imediato, compreender. Foi apenas na sala seguinte, tendo desistido de procurar no meu “disco de dados”, que se fez luz. Trata-se de uma pintura do século XVII que me impressionou pela sua tremenda modernidade, diria mesmo contemporaneidade. Na verdade, algo de eterno e não só no tema, mas no traço. O tema é a maternidade, precisamente o título da pintura de Almada que, vim a perceber na sala seguinte, me fazia eco com esta pintura. Ou vice-versa, ainda não sei bem. A peça que vi no Museu, óleo sobre madeira, representa a Virgem com o Menino e tem algo em comum com a “Maternidade” onde Almada Negreiros retrata Sarah Afonso com o filho. Na pintura do século XVII as duas figuras são apresentadas de perfil, tal como na de Almada. A mãe apresenta-nos a face direita; o menino, ao seu colo, face à mãe, mostra mais visivelmente o lado direito do rosto. Muito expressivos, os pés, a coxa direita e as pernas do menino, que uma imperceptível, mas existente perspectiva, amplia. O pano que cobre a cabeça das mães é sensivelmente da mesma cor, e também o vestido de Sarah Afonso é muito semelhante, cromaticamente, à écharpe da Virgem, mas os seus pés já assumem, pela deformação da dimensão, traços nítidos de modernismo, para além da dignidade confirmada pela cadeira em que se senta a Virgem, em contraste com o chão da mãe do século XX. Também a teatralidade do século XVII faz que os olhares se voltem para nós, como na relação palco-plateia, enquanto que as personagens de Almada mergulham os olhos uma na outra. Contudo, existe um não sei quê na pintura do Museu Grão Vasco que captou a modernidade que existe em toda a obra, que não se limita à estética do seu tempo. Existe, no redondo das mães acolhendo o filho, algo de simbólico, que é intemporal. Distinguindo-se ambas até arquetipicamente, naquilo que caracteriza cada uma delas: a mãe que tem um filho que é do céu mostra ao mundo, e o filho faz outro tanto, que estão ali não um pelo outro, mas por nós, que os olhamos. O arquétipo do amor divino. Sarah e o filho mergulham mutuamente no olhar. São o arquétipo do amor humano. Não hierarquizo. Completam-se.


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