2019-11-27



Risoleta C Pinto Pedro




O estreitamento do universo universitário
ou a denúncia do Cavalo de Tróia



Dizem vozes, em fonte fidedigna, que uma doutoranda da Faculdade de Letras foi proibida de usar, na sua dissertação, a palavra espiritualidade. Considerações à parte sobre os abusos de que a palavra tem vindo a ser vítima, que não é isso que aqui está em causa, pelo contrário, o facto de a palavra estar no centro de um uso comprometedor do seu sentido, seria motivo acrescido para a Universidade se debruçar sobre ela, remete-me para um trabalho de Pedro Vistas que li rcentemente na Nova Águia. Chama-se “Filosofa Filosofante em Portugal: O Problema Pedagógico e a sua Expressão Anti-Universitária”. Este texto despertou-me uma muito favorável impressão: pelo rigor, pela qualidade, pela coragem. As cinco epígrafes que introduzem o texto colocam logo os pontos nos iis. A partir daí é sempre a abrir. Com vivacidade, elegância e saber.

Não espanta ninguém que a melhor forma de combater ou destruir algo, seja um país ou uma instituição como a Universidade, é a partir de dentro. O princípio do Cavalo de Tróia. Por isso não nos surpreende que a antiga e tão moderna Faculdade de Letras de Leonardo Coimbra seja, ainda, uma estranha excepção. Estranha, porque rara, estranha porque estranhada. E ainda não entranhada. Cada vez menos interiorizada. Agostinho largamente chamou a atenção para esta infelicidade em que caímos: Universidade e nós.

Aqui há uns anos regressei à Faculdade para fazer mestrado. Foi um choque assistir ao retrocesso relacional dos alunos (adultos, bem adultos...) falando com os professores como se receando desagradar-lhes, medindo as palavras, contendo os sorrisos, gerindo os silêncios, temendo as discordâncias. Quantos quilómetros de recuo em relação a umas décadas anteriores!

Um dia, o professor disse algo que parecia uma graça. Eu ri-me espontaneamente e os olhares viraram-se para mim, entre escandalizados e receosos. Então, o professor riu-se também e todos os olhares, subitamente, relaxaram, descansados. Com seu riso, o professor dera aval ao meu. Nada me teria acontecido se ele não tivesse certificado o meu sentido de humor, mas eu vi, a cintilar, nas cabeças de alguns, pequenas fogueiras inquisitoriais, prontas a receber-me.

A Universidade, que deveria ser aberta ao infinito, curiosa como uma criança e despreconceituosa como um verdadeiro sábio, está estreita, distribui mestrados e doutoramentos como bolas de Berlim na praia e vigia censoriamente quem não se encaixa no desgastado cânone. Está moribunda e não sabe. Resta-nos a esperança de que dentro dela se esconda, como Cavalo de Tróia salvífico, uma Fénix. Talvez…

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