2019-06-05



Risoleta C Pinto Pedro


Como escrever uma crónica



O que explica, que ao dar-me conta de que estou a escrever crónicas para quatro publicações, duas em papel e outras duas on-line, sendo duas quinzenais, uma mensal e outra semanal!, havendo uma quinta sem compromisso de regularidade, eu não entre em pânico? Tendo em conta que há ainda livros em meio de escrever, ficção, ensaio, poesia, em preparação...E uma biografia! E o resto, a vida em todo o seu intenso esplendor...

Precisamente por isso. É o que me tranquiliza. Ter tanto que fazer, tanto que viver, é o meu combustível para as crónicas e o resto. Na verdade, para escrever crónicas (e o resto) basta estar-se vivo. Para ser feliz também. Mesmo com o resto que, aparentemente, ou pelo menos assim o cremos, não encomendámos. Não é bem assim, mas esse é outro assunto. Ainda tabu. Deixemo-lo, que não precisamos de polémicas. Quando afirmo que basta estarmos vivos, uso a palavra no sentido literal, normalmente um bocado posto de lado, ter os sentidos bem alerta: sentir, tocar, cheirar, ouvir, saborear, ver. Espantarmo-nos, deixar subir o espanto em nós e depois dizermos o que sentimos, vivos, cheirámos, saboreámos, ouvimos.

Todos os temas são bons, dos animais às pessoas, passando pelo reino vegetal e mineral. Tanto se pode escrever sobre o infinitamente grande, como sobre o infinitamente pequeno. Sobre o Universo, como sobre o átomo. A vida é extremamente fotogénica e gosta de se colocar em pose para que a fotografemos. Que não demoremos excessivamente. Cansa-se da imobilidade. E nunca repete igual. Cabe-nos estar acordados, não desperdiçar o momento, a experiência, a ideia e a emoção, crendo que não vamos esquecer. Devemos tomar notas, fotografar, desenhar, gravar. Ainda que mentalmente, pois quando se vai na auto-estrada a conduzir, não é fácil fazer anotações, é preciso recorrer a mnemónicas, que podem ser espaciais, numéricas, por associação lógica ou de qualquer outro critério...

Quando falo de realidade não me circunscrevo à realidade exterior, mas principalmente à realidade psicológica. O que se passa lá fora, por muito excitante que pareça, normalmente é monótono e banal se transcrito sem transformação, mas torna-se interessantíssimo depois de passar pelo athanor da emoção, pela oficina da metáfora, pela forja do humor.

Aqui ficou, como foi possível, a receita para escrever crónicas, receita onde se misturam forma e conteúdo, ou como aquela é uma demonstração deste. Mal comparado (muito mal comparado, mesmo), como quando Garrett escreveu o Frei Luís se Sousa enquanto demonstração do que deveria ser o teatro do seu tempo. Agora que o enunciei, é mesmo muito mal comparado, mas está escrita a crónica sobre a crónica.

LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS