2018-09-26



Risoleta C Pinto Pedro


Linhagens de luxo

Não temos a mais leve noção da responsabilidade dos nossos actos no desenvolvimento e nas vidas dos outros. Conta João Ferreira, uma das importantes referências da Filosofia Portuguesa que com Agostinho da Silva e António Telmo leccionou em Brasília, que Sampaio Bruno, esse grande pensador portuense e do mundo, enquanto director da Biblioteca Municipal do Porto, reparou num jovenzinho muito interessado na leitura, tendo o director colocado no apoio e orientação ao pequenino leitor todo o seu cuidado. A repercussão foi imensa, pois quando mais tarde, esse menino, que viria a ser conhecido pelo respeitável nome de Teixeira Rego, a dar aulas na Faculdade de Letras do Porto fundada por outro admirável nome da Filosofia Portuguesa, Leonardo Coimbra, quando esse outro menino, respeitável professor de um então jovem Agostinho da Silva, «no final do ano tinha de ler enorme quantidade de dissertações finais de ano», esmerava-se «em se empenhar, como prioridade, na leitura atenta de todas as teses na própria Faculdade. E só depois de lidas todas as dissertações deixava o eléctrico que o levava a casa, em Matosinhos, para aqui se entregar, agora já livre, à leitura e à pesquisa». São palavras do professor João Ferreira, que acrescenta: «A essa forma de agir Agostinho chamava comportamento filosófico, para nos dizer certamente que Teixeira Rego não era um simples burocrata do ensino, mas muito mais do que isso». Isto é, um excelente professor, dedicado, responsável e competente, um filósofo operativo que não se limitava a pensar, mas punha em prática o pensamento, e um professor que alimentava a sua prática pedagógica com persistente leitura e investigação.

E tudo isto, talvez porque, para além do que já existia dentro dele, entre outras boas influências, houve um director de uma importante Biblioteca que compreendeu plenamente qual era a sua função e se debruçou sobre um menino , esteve com ele, orientou-o nas leituras sem pensar para que serviria o que estava a fazer, mas que desse modo deu precioso contributo para elevar aos píncaros do espírito mais do que uma geração de filósofos, uma espécie de reacção em cadeia numa linhagem de pensadores que compreendem que filosofar é, para lá do pensar, falar e escrever, agir de modo coerente com o pensamento. Como Agostinho, como António Telmo, como João Ferreira, a viver no Brasil, mas felizmente duas vezes por ano entre nós.

Mal comparada, a atitude desse bibliotecário faz-me recuar à menina de dez anos que se alimentava para um mês numa bibioteca ambulante da Gulbenkian, cujo bibliotecário a deixava encher um saco de livros até mais não caberem. Dimensões à parte, essa menina é hoje escritora. Começo a pensar que alguma relação haverá entre bibliotecas e formação dos indivíduos. Hoje, com o lugar dos livros a ser tomado por CD e DVD já não tenho a certeza. Mas sei que ainda existem alguns Bibliotecários. Isso dá esperança.

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