2017-06-06



Risoleta C Pinto Pedro


O DEFEITO DA PONTUALIDADE

Vem esta crónica a propósito de uma recente estadia em Paris. Somos conhecidos pela nossa atávica falta de pontualidade. Os horários são para se cumprir... mais ou menos. Mais para menos. Os nórdicos ficam com os nervos em franja com este nosso modo de ser. Que tem inconvenientes, admito, mas tem, também, muitas vantagens. É mais humano e mais de acordo com o Sol, o qual também não nasce nem se põe sempre à mesma hora.

Os povos ditos civilizados, pelo contrário, regem-se por neuróticos relógios suíços incapazes do menor gesto de inovação, criatividade, generosidade ou surpresa. Tempo é dinheiro.

Por essa razão fui impedida, em Paris, de ir a uma casa de banho porque estava lavada e iam fechar, não arriscavam, na hipótese por eles assumida, de eu deixar o espaço sujo, de terem de ir lavar depois da hora do encerramento. Igualmente fui impedida de comer um bolo na pastelaria onde o comprara, porque estava na hora de fechar.

Isto nunca teria acontecido cá. Não teria nenhuma importância fechar um bocadinho depois da hora, o importante são as pessoas. Também nos arriscamos a ter de esperar na hora de abertura, porque a funcionária veio num autocarro que chegou atrasado ou teve de ir levar o filho ao infantário e ele estava constipado e estava a chover, etc, etc. Mas quem não agradeceu já aos céus (ou à Carris, ou à CP...) por ter conseguido apanhar um comboio porque este se atrasou na hora da partida? Ou ter conseguido trazer o fato da lavandaria porque, afinal, ainda estava aberta depois do horário?

Aqui assume-se a imperfeição em toda a plenitude, imitando o Sol, esse ser circular e luminoso, tão perfeito e sempre atrasado ou sempre adiantado. Por isso, o encontro com o Quinto Império está marcado para cá. Pode é acontecer atrasar-se um bocado, é o que está a ver-se, mas nós não estranhamos. E os outros, como não sabem disto, o que vão ter é uma boa surpresa. E toda a gente fica feliz. Por obra e graça do Espírito Santo. Enquanto isso não acontecer, continuamos a guiar-nos pelo Sol, e eu até desconfio que já nem o sol é como era dantes, talvez por influência destes povos do Sul tão desorganizados e tão humanos, tão atrasados e tão gentis, tão desastrados (no sentido de que já nem se guiam pelos astros, pois até o próprio sol...) e tão quentes. E, na sua proverbial inconsistência, tão coerentes.

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