2017-06-28



Risoleta C Pinto Pedro


ME EDITAR?

Aqui está um tema tabu. É uma daquelas coisas sobre as quais é muito difícil escrever sem se ser mal interpretado. O que é um imenso incentivo a fazê-lo. Gosto de uma ideia há tempos encontrada algures (ou trazida por algum anjo...) de que o que os outros pensam de nós não é da nossa conta. E adorei. Porque é isso mesmo. Acredito mesmo que uma grande parte dos nossos problemas vem da preocupação com o que os outros pensam de nós. Se deitarmos isso para trás das costas dormimos mais leves e vivemos mais livres.

Mas regressemos ao tema. Tem ele a ver com a introdução, em algumas escolas, da prática da meditação. À partida, e em abstracto, para o senso comum da nova era, uma coisa boa. Mas cuidado!

Quem quer editar-me de uma certa maneira? Quem pretende esvaziar-me o cérebro? Quem deseja fazer-me uma lavagem ao cérebro? Quem planeia fazer "delete"? O que está por trás disto?

Sempre senti falta, nas escolas, do primeiro ao último ano, Universidade incluída, e professores também, da prática das artes, começando pela nobre arte que é a do corpo, uma prática de movimento: desporto e dança, música, expressão plástica, dramática, etc. Movimento, expressão, alegria, vida.

Regra geral, tirando algumas honrosas excepções, a escola imobiliza as crianças, os adolescentes, os jovens, afasta-os da expressão corporal e emocional, treina-os para a passividade, retira-lhes a invenção, a criatividade, a inovação.

Por isso tenho sentido falta, na escola, de muita coisa, mas, e sei que posso chocar alguns, não da meditação.

A minha filha, nas várias tentativas que foi fazendo para meditar, sempre me dizia: «Meditar faz-me nervos!». E eu compreendo-a. O ser activo e irrequieto que ela é não se sente repleto nem perfeito sentado em posição de couve fingindo ser um malmequer. Não é o meu caso. Às vezes gosto de me sentar como um budista em posição de alface tentando aproximar-me do que sente um girassol. Mas só depois de ter caminhado, dançado, escrito e cantado. E também já gostei de experimentar como um cristão reza e como um muçulmano se aproxima de Deus ou como fala um judeu com o Criador. Por isso, nada contra sentar-me de vez em quando como um monge budista. Até porque o alongamento que a posição requer a certos músculos vai beneficiar, imaginem!, certos órgãos, como o rim e o fígado.

Mas não me passaria pela cabeça defender a inclusão, por exemplo, da prática do dhikr ou da reza do terço católico nas escolas. Afinal, temos uma escola laica. Temos? Tínhamos? Mas continuo a sentir a falta do contacto das crianças com o seu corpo integral. Aquele que canta, aquele que dança, o que brinca, joga, cria e se expressa. E respira. Essa é a possível e desejável oração e meditação das crianças na escola. Sem compromissos perversos. Sem equívocos. Sem modismos.

Os nossos meninos que também somos nós, abandonaram uma parte de si quando deixaram de respirar amplamente como faziam em bebés, com toda a sua capacidade torácica. E não apenas em baixo, na barriga. Não apenas em cima, no peito. Mas uma respiração plena, consciente, que nos traga ou devolva totalmente vivos a este instante, relaxados, activos, emocionais e presentes. Como acontece quando dançam, correm ou brincam. Isto é ser-se humano.

Por isso me assusto quando, numa reportagem sobre meditação nas escolas, vejo as crianças a respirar caoticamente, soprando o ar com esforço, isto é, expulsando a vida. Que é o ar. A respiração natural é entusiasmada na inspiração (é natural estar-se entusiasmado na vida) mas não tensa; e é tranquila, descansada, na expiração, mas observadora, consciente. Com toda a capacidade respiratória convocando todo o corpo, vibrante, vivo, na consciência das sensações e emoções. Alternância como na vida: dia e noite, acção e repouso, entusiasmo e observação. A Inspiração é a acção, a expiração é o descanso. Se assim não for, há cansaço. Por isso, muitas pessoas se queixam de que respirar as cansa! O que estão a afirmar, sem o saberem, é que viver as cansa. Não há que expulsar nada, nem pensamentos, nem ar, mas acolher, observar, sentir, integrar e deixar partir.

Não será por acaso que muitos mosteiros orientais estão cheios de monges deprimidos. À força de empurrarem a respiração para baixo deixam de ter contacto com as suas emoções. Numa primeira etapa aparentemente acalmam, numa segunda deprimem.

É assim.

A escola não tem de seguir modas. Não basta fazer. É preciso, primeiro, pensar. E quando se trata de crianças, o experimentalismo anda perto do aventureirismo. A escola não pode ser um campo de experiências ad hoc. E é laica.

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