2015-08-19

Risoleta C Pinto Pedro


PEDRA DE CAMINHO

Sol sobre São Tiago
Entra pela janela tímida
De Outono
E cria estrada entre rua e santo
Lembrando-me
Que a vocação sua
É peregrinar.
Recorda-me estradas interiores por onde seguir
Mesmo quando o dia é de parar.
Lembra-me que mesmo em tempo de andar
Há uma imobilidade na estrada
Que transporto em mim.
Abençoa as partidas
protege as viagens
e alegra as chegadas.
O sol entrando pela janela
Sobre
São Tiago
Recorda-me o amor da chuva
Da noite
E de tudo o que é diferente.
O sol é o meu mestre do amor
Por tudo
O que está ausente.
Amen

RCPP




Tenho uns amigos que regressaram há pouco do Caminho de Santiago. Para me consolarem de eu não ter podido ir este ano, trouxeram-me uma pedra, uma bela pedra do caminho.

Comoveu-me o facto, porque a recolheram a meio da peregrinação, em sítio especial e a pedra não é propriamente, pequena. Sabendo eu, por experiência própria, da importância que tem para um peregrino a leveza da mochila, que corresponde à leveza da alma com que faz o caminho, transportar aquela quase monumental bela pedra até à catedral para ma oferecerem no regresso, é obra de catedral.

Olho-a aqui no meu espaço templo e procuro reconhecê-la. Recordo todas as pedras que encontrei no meu caminho:

Para além da pedra de fundamento de que falam os arquitectos, a de arremesso com que afastei miúdos grandes e incomodativos no caminho da escola, a pedra do padrão ou sinal dos livros de leitura ou de história, a pedra dos caminhos onde tropecei, a pedra de altar, a pedra das entradas, a pedra dos moinhos, os meteoritos, a pedra de açúcar que roubava do açucareiro, a pedra com que jogava à macaca, baixa, polida, regular na sua irregularidade, as pedras das janelas das tantas casas, de tantas esperas... que pedra é esta que deixou o caminho a meio de uma peregrinação para me vir habitar?

Olhei-a com os olhos fechados para melhor a ver, e como as crianças que gostam de ter um conhecimento completo das coisas, recordando-me de umas que vi uma vez, no museu, perante uma escultura, impedidas de tocar com as mãos, que eram obrigadas a guardar atrás das costas, não se contentando com o olhar, contornando com a língua o bronze da forma, assim fiz eu, para melhor conhecer a pedra do caminho.

A revelação foi inequívoca e agora sei: soube-me a sal, a pedra é o sal da terra, da água, do sol e do ar, percorreu esse caminho para me visitar como pedra de sopa que enriquece o sabor e dá o toque especial a sal e a mar.

Santiago em minha casa escondido em pedra, com sabor ao sal da viagem que ele próprio fez até chegar à Galiza. Uma pedra protagoniza uma épica antiga e uma épica moderna através do sabor, essa extraordinária ferramenta de conhecimento pelo Criador concedida aos seus filhos distraídos das bênçãos que, banalizando, se esquecem de receber.


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