2015-03-25



Risoleta C Pinto Pedro


O labirinto e a busca do centro



(Aqui partilho o texto de uma conferência que pronunciei há pouco tempo, sobre o tema que me foi apresentado):

Já tive oportunidade e privilégio de assistir a magníficos pensamentos sobre este tema, por isso dois pressupostos estão à partida estabelecidos:

  • - Não vou, nem sequer tentar imitá-los. Seria o fracasso anunciado.
  • - Muito beneficiei já por, sem lhes ser seguidora, vir a seguir.

    Tenho então, como alternativa, a infância. Lugar de todos os mistérios. E labirintos. Usarei os pés, uma das mais importantes ferramentas dos labirintos.

    Como adultos, mais não fazemos do que reaprender a andar. Por que razão o faríamos?

    Porque essa é a condição para percorrer o labirinto. Não sei se para sair dele. Mas para o percorrer, certamente.

    Também não digo que necessitemos deles para entrar, porque nascer é a condição do labirinto. Não temos de entrar. Já cá estamos. Basta que pensemos em encarnar. Logo em pensamento percorremos vertiginosamente as galáxias e destas escolhemos a Via Láctea, e desta a Terra, e desta um determinado continente, e um país, e uma região, e uma casa e uma... mãe. Chegámos!

    É assim. Como seres, escolhemos, para nascer, uma mãe e um pai. Aí tem início o labirinto. Não é difícil entrar nele. Nem sequer sair. Difícil é permanecer. Mas é esse o desafio.

    O labirinto é o desafio do número três. Na gestação ainda nos sentimos um. Bebé e mãe são Um. Ao nascer, começamos a experimentar a dimensão mais densa deste plano: a divisão, a separação, o dois. É o labirinto: vou por aqui, ou vou por ali? É o dilema do caminho, o desesperado arquétipo da criança da história de Salomão, reclamada por duas mães, como se o nosso destino fosse vivermos a experiência da dilaceração. Como se não houvesse alternativa. Enquanto somos a criança de Salomão, enquanto recusarmos a escolha e ficarmos ali divididos pelos extremos acreditando que não existe alternativa à destruição, haverá sempre duas desesperadas mãos ou mães a puxarem-nos por cada um dos braços.

    É a experiência da partícula. Só pode passar por um sítio de cada vez, é a lei da Terra. O livre arbítrio com que fomos abençoados nesta dimensão, para conhecermos a liberdade. Os cientistas conhecem isto. Já experimentaram. Mas quando a partícula se torna onda, deixa de ter de escolher desta forma dilaceradora. É a liberdade na sua dimensão inimaginável. A onda não tem de escolher entre e entre. O mundo da partícula é o da "ou...ou", o da onda é o do "e...e". A onda passa por todos os lados ao mesmo tempo, escolhe e acolhe tudo, abraça todas as partes.

    Nós, os habitantes do labirinto, podemos experimentar a dimensão da onda quando deixamos de ver os opostos como antagonistas, o "quem não está comigo, está contra mim". É nesse momento que a liberdade da escolha deixa de ser uma condenação. E podemos escolher o que quisermos e até tudo. Como ondas. Nesse momento, o labirinto somos nós, ingerimo-lo e conhecemo-lo como tendo sido nós o seu construtor. Porque na verdade assim é. Nós construímos o labirinto, percorremo-lo, ficámos prisioneiros dele e quando o reconhecemos na sua totalidade, quando nos reconhecemos como construtores, quando desistimos de regressar ao conforto do um, o que seria um suicídio, quando desistimos de entrar no jogo da luta, o que seria a destruição, quando abraçamos o um e o 2, criamos o três, o espírito do todo finalmente pacificado no abraço amoroso. A pomba que se eleva e olha o labirinto de cima. Quando incorporamos este nosso sagrado passo a reaprender, o terceiro passo eleva-nos.

    Gostaria de, a propósito, partilhar convosco um excerto do poema de Almada Negreiros, Rosa dos Ventos:

        "ROSA DOS VENTOS

        Não foi por acaso que o meu sangue que veio do sul
        se cruzou com o meu sangue que veio do norte
        não foi por acaso que o meu sangue que veio do oriente
        encontrou o meu sangue que estava no ocidente
        não foi por acaso nada do que hoje sou
        desde há muitos séculos se sabia
        que eu havia de ser aquele onde se juntariam todos os sangues da terra
        e por isso me estimaram através da História
        ansiosos por este meu resultado que até hoje foi sempre futuro.
        E aqui me tendes hoje
        incapaz de não amar a todos
        um por um
        que todos são meus e me pertencem
        e por isso mesmo lhes não perdoo faltas de amor!
        Mas porque maldição me não entendem
        se eu os entendo a todos?
        Eu sei, eu sei porquê:
        Falta-lhes a eles terem, como eu, a correr-lhes pelas veias todos os sangues da terra.
        A lei é clara: ninguém ama senão os seus.
        E os meus são os de todos os sangues da terra [...]"

    Aqui temos uma grandiosa lição para os contemporâneos, europeus e outros.

    Mas para aprendermos a lição do labirinto, necessitamos de o percorrer, não vale queimar etapas, assobiar para o lado ou fingir que não é connosco. Não adianta ler livros, procurar na internet ou pedir o mapa a quem achamos que já o percorreu. O labirinto está sempre a mudar e temos o privilégio de ter um só para nós. Temos de ser nós a fazê-lo, o labirinto é uma ficção... real e nós precisamos de lhe conhecer todos os recantos, enquanto isso fizer algum sentido, enquanto os recantos se puserem à nossa frente. Também para isso viemos.

    O labirinto quase dispensa o símbolo, porque como símbolo ele é a nossa realidade.

    Tão difícil, por vezes, que estamos sempre à espera de Messias, sereias ou tocadores de flautas encantadas.

    O que torna atraentes as sereias e seu canto ou o tocador da flauta encantada de Hamelin é a promessa de sermos guiados, sejamos homens ou sejamos ratos. Mais presos do encanto, se formos ratos, digo, inconscientes. Sem ofensa para os ratos.

    Contudo, ninguém pode aprender o passo por nós. Por essa razão, cada nascimento é único e insubstituível. Tal como o bebé ao nascer, o ser adulto deve percorrer o templo labirinto num certo sentido, deve saber que é necessário parar em determinado ângulo, deve saber com que pé avançar. Se percorre o labirinto com um irmão, não deve atropelá-lo, porque, sem o saber, é a si mesmo que atropela. No seu percurso tem várias importantes referências, como o sol e a lua, que sempre orientaram a humanidade no seu caminho, mas tem, também, o próprio chão, que os seus pés pisam. Ou acariciam, ou beijam.

    Quando um bebé nasce, e agora falo literalmente do nascimento de todos nós, humanos, o plano a partir da sua decisão de iniciar o processo é tão minucioso, tão rigoroso, que o menor engano, a menor precipitação pode desencadear uma enorme aflição com as consequências que todos conhecemos, intervenções médicas por vezes de uma enorme violência, mas que... salvam. Aí nasce a primeira crença modeladora da vida daquele bebé adulto: "para sobreviver, preciso de violência". Assim vai viver, a violência vai surgir na sua vida a cada esquina e dentro de si mesmo. Todos nós, em maior ou menor dose, mais ou menos conscientemente, em determinados momentos das nossas vidas, experimentámos isto. A consciência do labirinto pode ser o mestre que nos ensina que não tem de ser assim. Mas quando dentro das próprias famílias ou entre elas, e sabemos que isso já aconteceu em quase todas, ou todas (afinal todos são humanos e todos têm umbigo, todos nasceram de um útero) quando países atropelam países irmãos, é a total perversão. Por isso, aprender a bem andar não é despiciendo, é mesmo muito importante. É com os nossos passos coordenados com os dos nossos irmãos, sejam eles humanos ou animais, que aprendemos o milagre do voo, aquele que nasce da arte real, a arte do bem andar, o triplo abençoado passo. A valsa. A dança. Um, dois, três, a cadência elegante. Muito diferente do 1,2, 1,2 da marcha.

    No nascimento de gémeos pode acontecer um gémeo empurrar o outro ou funcionar como bloqueio ao nascimento do outro. O que pode ser trágico para si mesmo. Tudo o que nós vivemos na nossa vida a que chamamos real, existe nos arquétipos. Por isso é tão interessante a história de Job, que nasce a segurar o calcanhar do irmão para ser ele o primogénito, e não o outro. Logo ao nascer, a experiência da divisão. No mundo dos opostos, apenas um pode ser primogénito. Cabe-nos a nós criarmos nas nossas vidas um mundo novo, fazermos a transição da partícula para a onda. Um labirinto criativo onde podemos ser todos primogénitos. Não o mundo do "se tu ganhas eu perco", ou vice-versa, mas "quanto mais tu ganhas mais eu ganho, quanto mais te ajudo a ganhar mais eu ganho".

    Apenas nesse tempo que seremos nós a construir, podemos afirmar que de miseráveis vitórias gloriosas derrotas nos salvaram. Precisamos de aprender a rendição. Não preciso de me defender de ti meu irmão, apenas da minha própria mentira.

    É este o novo mundo: verdade, simplicidade e amor.

    Volto aos poetas, esses mestres do símbolo, desta vez com Cesário Verde:
        "Eu acerquei-me dela, sem desprezo;
        E, pelas duas asas a quebrar,
        Nós levantamos todo aquele peso
        Que ao chão de pedra resistia preso,
        Com um enorme esforço muscular. "
    É, repito, a única hipótese de elevação: com o outro. Ninguém se eleva sozinho. Como ninguém vai sozinho. No mínimo, tem lá o chão. O labirinto. E seus monstros. Nossos monstros. Que transportamos para dentro dele. O labirinto está povoado dos nossos monstros, que são uma população muito superior aos que o percorrem. Não estamos sós. Temos esses amigos ao nosso lado. Olhando-os, não os atropelando, aprendemos com eles. Tornam-se amigos.

    O chão do labirinto é o mestre. Humilde e grandioso. Só pode ser grandioso quem pode ser humilde. O outro apenas esconde a sua miséria sob o brilho do labirinto ornamentado. Mas labirinto é labirinto. Quanto mais ornamentação maior a confusão, porque mais tem de ser retirado para a indispensável nudez.

    Quanto ao centro... é o caminho. O centro são os passos que eu dou com o outro. Ninguém sozinho faz o centro. Nem o caminho.

    Porque quando fomos verdadeiramente centro, antes da construção do labirinto, antes da grande explosão, estávamos lá todos. Não nos separámos. Apenas, aparentemente, nos afastámos. Como poderemos estar sozinhos? Mesmo no labirinto? E essa é a grande alegria, sabermos que mesmo no mais longínquo labirinto da mais distante galáxia estaremos sempre acompanhados e sempre amados, porque essa é a nossa natureza. O labirinto é o jogo, a chave e a alegria.

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