2015-01-14



Risoleta C Pinto Pedro


DEVAGAR QUE TEMOS PRESSA



"A urgência da construção de um novo paradigma capaz de enfrentar os impasses e paradoxos da Humanidade numa perspetiva holística e humanista para um planeta sustentável."

Este foi o tema, o desafio que me foi colocado aqui há uns tempos e que desenrolou a seguinte reflexão:

DEVAGAR QUE TEMOS PRESSA

Começo por me interrogar sobre o conceito com que se introduz este tema, que é o conceito de urgência.

Se é um facto que já há uns anos uma amiga minha cientista me dizia que tínhamos para trinta anos de recursos, e não parece termos dado grandes passos desde então pelo menos que se vejam, por outro lado as pressas nunca deram grande resultado. Já diz a sabedoria popular que devagar se vai ao longe.

De um certo ponto de vista, tentativas de sociedades igualitárias impostas à força, tentativas de construção urgente de um novo paradigma por um grupo de iluminados, custe o que custar, mesmo contra aqueles a quem se destina, não resultou, não pode resultar.

De facto, a evolução não se faz de modo linear, mas orgânico, um pouco como a arquitetura de Gaudi, e a criação de um novo paradigma não se faz de um dia para o outro pela vontade de uma pessoa ou de meia dúzia.

Mas pode preparar-se o terreno e isso está a ser feito. Tem sido feito, foi feito, e essas tentativas antes referidas tiveram o seu papel. Isto está a acontecer na dimensão material e numa outra mais subtil, menos visível. Mas não menos real.

É também verdade que a realidade coletiva é a súmula das realidades individuais, daí a responsabilidade de cada um de nós na mudança. Não adianta ficar à espera que o outro comece. É o nosso começar que permitirá a mudança do outro.

Se olharmos com atenção à volta, não poderemos deixar de ver muitos sinais de mudança:

Contra as sementes normalizadas e assaltadas por piratas de gravata, erguem-se movimentos de denúncia e associações de ativistas com uma prática consequente; contra o assalto aos poderes políticos diversos por um poder internacional amoral e assassino, alguma vozes começam a fazer-se ouvir, alguns ouvidos começam a disponibilizar-se para escutar; contra um ensino normalizador e massificado, vários movimentos pedagógicos com práticas concretas continuam a remar contra a maré; contra a violação do planeta berço, começa a erguer-se uma consciência que tudo liga e que compreende todas as violações como uma única violação: contra a mãe que nos acolhe, alimenta e protege, a grande Mãe Natureza. Umas e outras estão interligadas e o ataque às mulheres, às crianças, aos deficientes, aos idosos, aos desempregados e a todos os seres com alguma vulnerabilidade, fazem parte do grande ataque coletivo contra, afinal de contas, nós mesmos. Um suicídio cada vez menos inconsciente.

Talvez o governo planetário esteja mais longe do que sonhámos, e talvez a solução não esteja aí, talvez para podermos ter um governo planetário seja necessário garantir previamente que há planeta e que somos capazes de nos fazer governar por gente bem intencionada e competente, isto é, que já conseguimos espelhar, fora, uma realidade que conhecemos dentro.

Enquanto houver genocídio e barbárie e comportamentos tribais ao mais alto nível dos poderes, sabemos que estamos a viver intensamente as dores do nascer da melhor versão de nós mesmos, que precisamos de tomar decisões sobre o que queremos realmente. Mãe e bebés ainda parecem estar em perigo. Acredito que talvez as coisas não sejam tão más como parecem, talvez haja salvação, por isso a urgência. E a única urgência com que vamos conseguir lidar, é aquela que age dentro de cada um de nós. Sem isto não há urgência possível, só atraso. Não defendo que cruzemos os braços e fiquemos a assistir como cidadãos neutros. Neutralidade é algo que não existe. Mas paralelamente à ação exterior, há que agir dentro de nós, caso contrário tudo o que possamos fazer fora é ineficaz.

Nem a tecnologia nem as mais sofisticadas armas resolvem o problema da pobreza e abuso de uma parte da humanidade sobre a outra parte e sobre os outros seres. É do alto da livre economia de mercado sem controlo e sem regras, que os seus timoneiros contemplam uma multidão miserável e ou inconsciente manipulada por uma sucessão de mentiras com que vão entretendo sucessivas gerações. Com casas de segredos.

Alguns nichos de consciência ecológica vão construindo nichos solidários e limpos de contaminação do velho paradigma, mas sem uma dose considerável de coragem que permita ouvir realmente os corações confrontando e dissolvendo velhos medos e padrões, a mudança não passa da superfície. Aqui em Portugal, passados 40 anos, como estamos presentemente a viver, vemo-nos confrontados com algumas velhas questões, como se não tivesse acontecido nenhuma revolução. Porque não houve revolução interna.

Não nos interessa a futurologia dos que dizem o que nos vai acontecer, porque tudo isso nos retira poder. Interessa-nos sair do papel de espectadores amarrados às cadeiras, comentando os factos como quem comenta um filme que vê, o filme da nossa vida produzido por realizadores incompetentes.

É preciso crescermos, mas para crescermos temos de fazer as pazes com a nossa infância, tal como Fernando Pessoa escreveu:

A criança que fui chora na estrada
Deixei-a ali quando vim ser quem sou
Mas hoje vendo que o que sou é nada
Quero ir buscar quem fui onde ficou.


Não é mais do que isto, o mito do Espírito Santo ou do V Império, afinal, o paradigma que desejamos, o D. Sebastisão que esperamos e que arde de impaciência dentro de nós.

Que se concretizará quando compreendermos que:

  • As nossas vidas não são o produto das circunstâncias, mas das nossas decisões. Somos plenamente responsáveis pelas vidas que temos, e não vítimas.
  • Tomamos decisões a partir das crenças e padrões de comportamento, construímos as nossas vidas segundo o modelo das nossas crenças. Todos. Um modelo por entre infinitos outros que poderíamos ter escolhido.
  • O principal obstáculo a nós somos nós mesmos, as nossas resistências à mudança e a olharmo-nos e aceitarmo-nos gloriosamente como realmente somos na nossa magnífica e humana imperfeição.
  • Para nos encontrarmos na nossa integridade, atraímos o que necessitamos, e não propriamente o que desejaríamos.
  • Cada um de nós tem dentro de si todo o potencial para se realizar e ser feliz.
  • Não é possível a liberdade sem assumirmos a total responsabilidade.
  • Responsabilidade não é culpa, é, apenas, responsabilidade.
  • A culpa é uma estratégia para não mudarmos.
  • A moda new age da morte do ego é outra estratégia do ego. Quanto mais o matamos, mais ele levanta a cabeça. Não há para alimentar um ego, como apregoarmos que ele está morto. A elevação a santo ou guru, tudo o que nos eleve acima dos nossos irmãos, faz o ego esfregar as mãos de contente.

E sabendo que o individual e o coletivo são indissociáveis, estas considerações sobre o trabalho de cada um consigo mesmo não são uma manobra de diversão, mas um imperativo incontornável. Manobra de diversão é colocar todo o poder nos governos, na banca, nos patrões, nos pais, nos chefes, nos maridos, nos colegas, nos partidos, nos media, nos líderes em geral, e continuarmos na mesmice de sempre à espera que eles mudem. Como aconteceu quando éramos crianças e verificámos que os deuses afinal eram só pais, e que os pais afinal eram só humanos, e que esses humanos, afinal, eram só crianças. Como nós. Mas com corpos grandes. Nessa altura éramos crianças, não podíamos fazer mais do que fizemos. Mas agora já não somos crianças e continuamos a deparar-nos com figuras de autoridade:

Os governantes, os administradores, os generais e os banqueiros. Crianças com corpos grandes. A brincar às tribos. Tremendo de medo.

Não temos alternativa: precisamos mesmo de crescer. Nós. Em primeiro lugar. Nós, somos mesmo nós: não são os chineses, nem os americanos, nem os judeus, nem os muçulmanos, nem os russos. Somos nós. Os "eus".

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