2025-01-01
DE ANAAS PARA TOM


Risoleta C Pinto Pedro




Escrevo sobre escrever cartas a quem nunca se escreveu, a quem se conhece por dentro sem que o outro alguma vez nos tenha visto e ainda assim nos compreenda profundamente.

Assim li estas Cartas. Mas há mais do que isso neste livro. Há um acto de generosidade e de reconhecimento de uma obra que é a Unicepe. Um livro pode propagar-se falando de umas coisas e dizendo outras, e é essa grande arte da literatura.

Com este livro, vários tributos são feitos. O leitor recebe o que compreende e a Unicepe recebe o que semeou, pelas mãos desta artista, com um objeto simples, mas belo e profundo com que quis dizer ao mundo: Eu reverencio esta instituição, por favor acompanhem-me no gesto com a leitura desta obra. Assim se oferece um livro desde a sua génese até ao seu leitor para que uma associação benemérita e de profunda incidência e relevância cultural possa vir a beneficiar do que semeou.

Eis um livro escrito como quem põe semente na terra para que outro, que há muitos anos vem semeando, possa colher. E como está bem escrito! Já nos vamos desabituando de ver uma escrita escorreita e criativa, como se o criativo já dispensasse a base, a estrutura, a coluna que é a língua cultivada e culta. Outras formas existem, mas não se podem confundir.

Como escreve Shakespeare no Hamlet:

“separar isto de isto, se isto se mostrar diferente”. Falo de Anaas (Ana Almeida Santos), a autora de um pequeno grande livro intitulado Cartas a Tom Waits, de Janeiro de 2019, em edição de autor.

Cada carta corresponde a uma canção, quem conhece as canções, ou ao menos algumas, pode entrar no ambiente musical através do envolvente literário criado, mas quem não conhece as canções entra na sua própria melodia através das histórias reflexivas criadas pela autora.

Em cada carta, ela dirige-se a Tom Waits, e nós entramos como voyeurs autorizados, sem culpa, mas com idêntico prazer ao de quem espreita. Fala de retalhos, das memórias de uma menina, de um cão que partiu, movimentos antigos da dança, a própria música de Tom Waits, confidências… A vida (de quem narra, porque não posso assegurar que seja a autora), cruza-se com a música, com o músico, com as memórias da criança, e em tudo isto perpassa uma enorme inocência e uma enorme audácia e uma enorme coragem. Vai buscar os temas a Tom, a nós leitores e ao seu próprio mundo, e por isso fala sobre o amor, a relatividade, os domingos, as gravatas, livros, cães, escrita, árvores, avós, infância, pessoas, flores, sem-abrigo… e Tom. Fá-lo de forma simples, emotiva, mas não exaltada, complexa, culta e erudita. Por vezes triste, por vezes irónica. O que é o mesmo. Ofereça-se, leitor, este livro como prenda de Natal. Ou de outra qualquer efeméride. Ainda está a tempo. Sempre. Faça como Anaas:

«Tom, estás uma vez mais na lista do pai natal. Tom, espero oferecer-te este livro no teu próximo aniversário.»

E depois vá ouvir Back in the good old world, de Tom Waits. Ou Innocent when you dream. A canção e o texto de Anaas. Como diz um menino pequenino do meu mundo: Prefiro todos. Ou Adoro muito. Ele ainda se permite falar assim e eu adoro muito ouvi-lo. Como ler Anaas, quase tão inocente como ele, mas pela força das coisas, mais erudita.


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