Escrevo sobre escrever cartas a quem nunca se escreveu, a
quem se conhece por dentro sem que o outro alguma vez nos
tenha visto e ainda assim nos compreenda profundamente.
Assim li estas Cartas. Mas há mais do que isso neste livro.
Há um acto de generosidade e de reconhecimento de uma obra
que é a Unicepe. Um livro pode propagar-se falando de umas
coisas e dizendo outras, e é essa grande arte da
literatura.
Com este livro, vários tributos são feitos. O leitor recebe
o que compreende e a Unicepe recebe o que semeou, pelas
mãos desta artista, com um objeto simples, mas belo e
profundo com que quis dizer ao mundo: Eu reverencio esta
instituição, por favor acompanhem-me no gesto com a leitura
desta obra. Assim se oferece um livro desde a sua génese
até ao seu leitor para que uma associação benemérita e de
profunda incidência e relevância cultural possa vir a
beneficiar do que semeou.
Eis um livro escrito como quem põe semente na terra para
que outro, que há muitos anos vem semeando, possa colher.
E como está bem escrito! Já nos vamos desabituando de ver
uma escrita escorreita e criativa, como se o criativo já
dispensasse a base, a estrutura, a coluna que é a língua
cultivada e culta. Outras formas existem, mas não se podem
confundir.
Como escreve Shakespeare no Hamlet:
“separar isto de isto, se isto se mostrar diferente”.
Falo de Anaas (Ana Almeida Santos), a autora de um pequeno
grande livro intitulado Cartas a Tom Waits, de Janeiro de
2019, em edição de autor.
Cada carta corresponde a uma canção, quem conhece as
canções, ou ao menos algumas, pode entrar no ambiente
musical através do envolvente literário criado, mas quem
não conhece as canções entra na sua própria melodia através
das histórias reflexivas criadas pela autora.
Em cada carta, ela dirige-se a Tom Waits, e nós entramos
como voyeurs autorizados, sem culpa, mas com idêntico
prazer ao de quem espreita. Fala de retalhos, das memórias
de uma menina, de um cão que partiu, movimentos antigos da
dança, a própria música de Tom Waits, confidências…
A vida (de quem narra, porque não posso assegurar que seja
a autora), cruza-se com a música, com o músico, com as
memórias da criança, e em tudo isto perpassa uma enorme
inocência e uma enorme audácia e uma enorme coragem. Vai
buscar os temas a Tom, a nós leitores e ao seu próprio
mundo, e por isso fala sobre o amor, a relatividade, os
domingos, as gravatas, livros, cães, escrita, árvores,
avós, infância, pessoas, flores, sem-abrigo… e Tom.
Fá-lo de forma simples, emotiva, mas não exaltada,
complexa, culta e erudita. Por vezes triste, por vezes
irónica. O que é o mesmo. Ofereça-se, leitor, este livro
como prenda de Natal. Ou de outra qualquer efeméride. Ainda
está a tempo. Sempre. Faça como Anaas:
«Tom, estás uma vez mais na lista do pai natal.
Tom, espero oferecer-te este livro no teu próximo
aniversário.»
E depois vá ouvir Back in the good old world, de Tom Waits.
Ou Innocent when you dream. A canção e o texto de Anaas.
Como diz um menino pequenino do meu mundo: Prefiro todos.
Ou Adoro muito. Ele ainda se permite falar assim e eu adoro
muito ouvi-lo. Como ler Anaas, quase tão inocente como ele,
mas pela força das coisas, mais erudita.
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