Nahash é a palavra hebraica para serpente. É uma palavra masculina, o que
desmonta o mito que vem pretendendo associar o feminino ao mal, nesta dupla
vertente serpente e Eva. Só que não, como dizem os nossos amigos brasileiros.
Isto para começar, porque nem serpente é uma palavra feminina, nem o Jardim do
Éden alguma vez foi citado na Bíblia como sendo o Paraíso, nem sequer o mal é como
o pintam. O Jardim do Éden é uma coisa, é o que lá aparece escrito, Paraíso é
tradução dos gregos. É o problema das traduções, das versões, das interpretações.
Convém, nestas coisas, aproximarmo-nos o mais possível da fonte.
Ora Eden, em sumério, significa campo aberto, e a palavra hebraica vem do sumério
edin através do acadiano edinnu. Sendo que edin significa planície ou estepe. Parece-
me estarmos um bocadinho longe da ideia do Paraíso tão caro aos cristãos.
Ouvi recentemente, a propósito disto, uma anedota contada por um cabalista judeu
actualmente a viver em Barcelona, sobre o tema do Paraíso:
Alguém se acercou de um mestre perguntando-lhe como seria a forma mais certa de ir
para o Paraíso, tendo-lhe este respondido que observasse os mandamentos, que
cumprisse as virtudes e que estudasse muito. Ele assim fez e ao fim de muitos anos
de observação das regras, acompanhada de muito estudo, morreu. E foi para o
Paraíso. Aí encontrou outras pessoas e todas elas se encontravam mergulhadas em
estudo profundo. O Paraíso era uma espécie de biblioteca cheia de livros e de gente a
estudar. Ele estranhou e exclamou: “Afinal, andei eu a praticar as virtudes e a estudar
para ir para o Paraíso e volto a encontrar-me num ambiente de estudo!”
Não tinha percebido, o discípulo, que antes de morrer já estava no Paraíso. Só que o
Paraíso não é um valor universal. O que para uns é o Paraíso para outro pode ser um
Inferno. Decididamente, uma biblioteca e o ambiente de estudo não era a ideia que
este nosso tinha do Paraíso. Com tanto estudo, dera os sinais errados. Por não saber
o que seria, para ele, o Paraíso.
Esta anedota veicula a ideia de que Paraíso é aqui, a de que aquilo que fazemos deve
ser feito com o propósito de melhoramento do presente, daquele que traz alegria real e
consistente ao agora, por responder aos anseios mais profundos da nossa alma, e não
a compra de uma felicidade futura. Assim, aquilo que era o Paraíso para os estudiosos
que estudavam com o coração, para ele era uma profunda seca. A seca com que
preenchera a sua vida e que transportara para a eternidade. A serpente não faria
melhor.
Tem isto a ver, igualmente, com a questão do bem e do mal. Nem sempre o que
parece bem o é, nem sempre o que parece mal nos prejudica.
Voltemos ao campo aberto, o sentido original da palavra Éden. Remete-me
imediatamente para a liberdade, e entra em total contradição com aquilo que seria o
Paraíso: obediência total ao criador, abstenção de provar da árvore do mal e do bem.
Aquele Jardim, antes da chegada da serpente, devia ser um tremendo tédio. Não
havia nada para fazer e nem sequer era possível desfrutar da árvore mais interessante
ali existente. Foi apenas depois da chegada da serpente, com a desobediência de
Eva, que foi possível aos nossos dois míticos antepassados abrirem os olhos, verem o
corpo, despertarem para os sentidos e começarem a trabalhar e a criar. E aqui sim,
começou o Paraíso, lugar onde através dos obstáculos foi possível ao ser humano
tomar consciência de si e do mundo em torno. Logo, tornar-se adulto e poder
experimentar o livre arbítrio. Até aí o ser humano estava refém da obrigatoriedade de
se manter incorrupto. Um verdadeiro Inferno.
Desde criança que me debato, como suponho que acontecerá com os meus
semelhantes, com o problema do mal. A incompreensão da origem e da necessidade
do mal tirou-me noites de sono desde muito cedo. Mais ainda quando passei a
reconhecê-lo dentro de mim. Apenas quando comecei a pressentir que não era mais
do que uma ferramenta para o meu crescimento enquanto pessoa, deixei de o olhar
acusatoriamente e estou hoje a aprender a tirar o maior partido desde companheiro de
caminho do qual espero vir cada vez menos a precisar. É um sonho longínquo que me
pacifica o viver num mundo tão difícil, tão profundamente difícil.
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