2024-05-08
O OITAVO QUE JÁ NÃO FOI


Risoleta C Pinto Pedro



Gosto de andar por aí a ouvir e a observar, mas não tenho muito tempo para o fazer expressamente, por isso aproveito todas as oportunidades em que o mundo se me mostra como um teatro. Pela mesma razão gosto de ouvir a rádio e de ver televisão, embora para esta não tenha praticamente tempo, porque me exige imobilidade e exclusividade, o que não é o caso da rádio, que me deixa mais livre de movimentos e atenção. Muitas vezes as intervenções das pessoas nas ruas, nas esplanadas, nos cafés, são muito estereotipadas, mas de vez em quando aparece uma que me faz parar. Foi o caso daquele ex-militar que no 25 de Abril já tinha cumprido dois anos de tropa e na madrugada daquele dia claro e perfumado iria para a Guiné. Isso já não aconteceu. Despertou-me especialmente a atenção algo que disse. A expectativa dele perante a ida para África era de morte certa. Na sua rua, sete já lá tinham ficado. A certeza dele era de ser o oitavo. Isto que vou afirmar é uma hipérbole, mas só por este homem já teria valido a pena. Contudo, valeu por muito mais. E se é verdade que por cada um dos cinquenta anos há uma nuvem, agora materializada numa Casa colectiva onde devia brilhar o sol, feitas as contas há cinquenta nuvens que é preciso vigiar, de que não podemos orgulhar-nos, mas que são uma evidência que não podemos ignorar com a cabeça na areia, eles ali estão transformando cada momento em comício, e cada intervenção em gritaria, baixando quotidianamente o nível, para nossa vergonha colectiva. Mas também é verdade que há sinais, muitos sinais, de que a geração que se ergue está atenta, é inteligente e não se deixa enganar. Destaco um discurso, e porque não tenho partido, o que não sendo particularmente motivo de orgulho, apenas uma realidade, me deixa à vontade para hierarquizar, a fala parlamentar de Rui Tavares, e que ouvi com emoção. Outras intervenções houve que ajudaram a subir o nível das águas das emoções e da reflexão na Assembleia da República. Contra as nuvens, há sinais de esperança. Também o facto de as pessoas estarem interventivas e não se contentarem com as comemorações oficiais, fazendo questão de participar como protagonistas da festa que não querem deixar acabar. A revolução está feita. A evolução não está terminada, nunca está terminada, numa democracia, e corre perigos em alguns momentos. Esta é uma altura para se estar particularmente atento. Continuar a fazer a festa é fundamental, a alegria é um excelente antídoto contra o cinzentismo passadista que alguns começam a querer impor. Que o possam dizer é direito seu, que a democracia, que combatem, lhes permite e garante. Mas que o façam, já é outra conversa. E depende de nós.

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