Gosto de andar por aí a ouvir e a observar, mas não tenho muito tempo para o fazer
expressamente, por isso aproveito todas as oportunidades em que o mundo se me
mostra como um teatro. Pela mesma razão gosto de ouvir a rádio e de ver televisão,
embora para esta não tenha praticamente tempo, porque me exige imobilidade e
exclusividade, o que não é o caso da rádio, que me deixa mais livre de movimentos e
atenção. Muitas vezes as intervenções das pessoas nas ruas, nas esplanadas, nos
cafés, são muito estereotipadas, mas de vez em quando aparece uma que me faz
parar. Foi o caso daquele ex-militar que no 25 de Abril já tinha cumprido dois anos de
tropa e na madrugada daquele dia claro e perfumado iria para a Guiné. Isso já não
aconteceu. Despertou-me especialmente a atenção algo que disse. A expectativa dele
perante a ida para África era de morte certa. Na sua rua, sete já lá tinham ficado. A
certeza dele era de ser o oitavo. Isto que vou afirmar é uma hipérbole, mas só por este
homem já teria valido a pena. Contudo, valeu por muito mais. E se é verdade que por
cada um dos cinquenta anos há uma nuvem, agora materializada numa Casa colectiva
onde devia brilhar o sol, feitas as contas há cinquenta nuvens que é preciso vigiar, de
que não podemos orgulhar-nos, mas que são uma evidência que não podemos ignorar
com a cabeça na areia, eles ali estão transformando cada momento em comício, e
cada intervenção em gritaria, baixando quotidianamente o nível, para nossa vergonha
colectiva. Mas também é verdade que há sinais, muitos sinais, de que a geração que se
ergue está atenta, é inteligente e não se deixa enganar. Destaco um discurso, e
porque não tenho partido, o que não sendo particularmente motivo de orgulho, apenas
uma realidade, me deixa à vontade para hierarquizar, a fala parlamentar de Rui
Tavares, e que ouvi com emoção. Outras intervenções houve que ajudaram a subir o
nível das águas das emoções e da reflexão na Assembleia da República. Contra as
nuvens, há sinais de esperança. Também o facto de as pessoas estarem interventivas
e não se contentarem com as comemorações oficiais, fazendo questão de participar
como protagonistas da festa que não querem deixar acabar. A revolução está feita. A
evolução não está terminada, nunca está terminada, numa democracia, e corre
perigos em alguns momentos. Esta é uma altura para se estar particularmente atento.
Continuar a fazer a festa é fundamental, a alegria é um excelente antídoto contra o
cinzentismo passadista que alguns começam a querer impor. Que o possam dizer é
direito seu, que a democracia, que combatem, lhes permite e garante. Mas que o
façam, já é outra conversa. E depende de nós.
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