2024-02-08
OS ÓRFÃOS DE ORFEU


Risoleta C Pinto Pedro



Arnaldo Trindade. Partiu quando ainda tinha tanto para fazer! Por muito que tenha realizado, estas pessoas generosas na qualidade e na quantidade tornam-nos insaciáveis delas. Da sua presença. Do seu fazer, da sua luz. Só sabê-las vivas já é um estímulo.

Não vou massacrar o leitor com dados biográficos, porque possivelmente até os conhece melhor do que eu, é figura pública, luminosa, irradiante, um caso sério de criatividade e competência. Um filho do Porto, cidadão do mundo, amigo de Orfeu, e como o mito, amigo da música e da poesia, que gravou e publicou com as vozes de tantos. E deu ao seu trabalho nome de profeta, para desmentir a afirmação de Aristóteles de que este nunca existira. Fosse como fosse, passou a existir. Enquanto recordarmos Arnaldo Trindade, Orfeu permanece vivo. Régio, Sophia, Torga, Eugénio, Aquilino, Ferreira de Castro, Miguéis, Agustina, Namora e tanti vivem nos seus registos sonoros. E depois Zeca e Adriano, Vitorino, Sérgio, Fausto, Luís Cília… quanto lhe devemos por estas vozes! Agora que se aproximam os cinquenta anos da revolução, é importante recordar que “E depois do adeus” e “Grãndola” estiveram aos microfones da rádio naquela madrugada extraordinária sob o signo excepcional de Orfeu. Era uma alegria a esperança de que a música anunciasse que todas as pressões sofridas pela editora estavam a terminar. Iniciava-se um período exaltante e com menos sobressaltos.

A sua preocupação estética não se limitou ao som. Artísticas eram as capas, saídas de mãos que sabiam. Tive o privilégio de o conhecer. O olhar e a atitude eram de uma gentileza rara. Um homem diferente, um ser humano do futuro. Partiu dois dias depois dos reis magos. Faz sentido. Foi em busca de estrelas. Há de estar a gravar- lhes o som, para as imortalizar. Com(o) Orfeu.

Há quem atribua à etimologia de Orfeu o significado de “órfão”, há quem lhe atribua outro, o de “melhor voz”. Ambos, para mim, fazem sentido. Partiu aquele que soube fazer das vozes as melhores vozes. E nós ficámos órfãos de Orfeu.

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