Trago hoje um estudo de Paulo Samuel (organização, pórtico, introdução e notas), acompanhado de larga documentação, e publicado em Novembro de 2023 pelo "Grupo de Amigos da Biblioteca Municipal de Amarante/Museu Municipal de Amarante".

Segundo as palavras do autor deste estudo, aqui se trata do «diálogo entre a "Renascença Portuguesa" e a Geração Nós por via da Saudade, desde a sua umbilical relação com as doutrinas gnósicas até à breve incursão em torno da soledade na poesiade António Machado.»

Trata-se, e continuo a citar, de um «contributo para documentar as relações culturais entre Portugal e Galiza» com repercussão «quer ao nível do trato pessoal, entre representantes dos movimentos então gerados, quer na realidade programática  de iniciativas símiles, e na participação autoral de cada um dos lados em publicações que identificaram os respectivos movimentos, ou seja, as revistas Nós e A Águia. »

É sobre este «húmus comum a Portugal e à Galiza» que vai debruçar-se e apresentar perspectiva sobre o que «apreenderam da Saudade, de forma distinta ou complementar, poetas e pensadores galegos, como Ramón Cabanillas, Otero Pedrayo e Vicente Risco, e a afinidade de alguns renascentistas com o desígnio nacionalista que motivou os intelectuais  da Geração Nós».

No fundo, poderia sintetizar-se esta relação tal como a verbaliza: «Se a "Renascença Portuguesa" não teve uma influência directa no surgimento da Geração Nós, é indiscutível que alguns dos seus representantes se tornaram figuras paradigmáticas para o núcleo intelectual nacionalista, que se formou a partir de 1920 em torno dessa publicação periódica, o que está patente em diversos testemunhos escritos , desde artigos de jornais e revistas às cartas pessoais remetidas para Pascoaes e Leonardo [Coimbra].»

É também de salientar «a criação do Instituto Histórico do Minho, em 1916, ao qual Pascoaes estava associado como sócio efectivo, e a atenção dada nas páginas do jornal A Aurora do Lima à cultura da vizinha Galiza e aos seus representantes na expressão poética, neste núcleo se distinguindo Rosalía de Castro, à qual aquele Instituto prestou homenagem em 13 de Julho de 1923».

Muito eloquente é uma das epígrafes escolhidas para uma das partes do estudo anterior à parte documental do livro, da autoria de Teixeira de Pascoaes:

"[...] A Galiza é irmã e mãe de Portugal. Portugal saiu dos seios da Galiza -- depois abandonou a Mãe e foi por esses mares fora, fugiu como o filho pródigo. Mas é chegado o tempo do seu regresso ao lar materno. Temos de voltar a viver espiritualmente em comum. Assim o exige o destino das nossas Pátrias que ainda não está cumprido.»

Agostinho da Silva, na sua Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa, refere-se também, com seu peculiar estilo, a esta estreita relação familiar entre Portugal e Galiza.

É um diálogo prolongado e fecundo, o que é detalhado no "Estudo" que ocupa a primeira parte, sendo a segunda constituída por uma riquíssima colecção de documentos imprescindíveis a quem pretenda compreender ou aprofundar esta abundante e complexa relação pessoal, literária e cultural: um tesouro onde encontramos textos de Vicente Risco n'A Águia, poemas, cartas e outra prosa de Pascoaes em publicações da Galiza, leituras críticas e outros artigos de autores galegos sobre Pascoaes, artigos de e sobre Leonardo Coimbra na imprensa galega, cartas de autores galegos para Leonardo, e por aqui fico, para não ser exaustiva. Há ainda caricaturas e retratos de Pascoaes por Cebreiro e Pedro Garcia Peres, bem como uma preciosa galeria fotográfica de publicações Nós que circularam em Portugal, pelo menos no Porto; são acompanhadas de detalhada descrição bibliográfica. Não posso deixar de assinalar fotografias da fachada e sede, bem como do interior da Livraria da "Renascença Portuguesa", na Rua dos Mártires da Liberdade, 178, no Porto. 

Aqui deixo uma, no meu entender, muito boa recomendação de leitura para este início de ciclo. Caro(a) leitor(a), votos de um estimulante ano, pleno da alegria que proporcionam os bons livros!

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