É O LIVRO QUE SALVA "luís, o poeta salva a nado o poema." Não foi Camões que salvou o poema, foi o poema que salvou o poeta. Provavelmente, se não fosse o ter de salvar o poema, ter-se-ia deixado afogar. Sei o que é isso. Primeiro sente-se uma aflição extrema, nada-se de todas as maneiras que se conhece, e não se sai do mesmo sítio, cada corrente nos puxa para um lado. Os pulmões, esse órgão de ar, já são guelras, mas não foram preparados para o ser, o que é um problema meramente… técnico mas de resultados potencialmente dramáticos. Estamos então neste ponto, os pulmões a transformarem-se em guelras, um pequeno oceano dentro de nós. Primeiro a aflição, não fui feita para engolir um aquário, tenho esta mania de gostar de respirar ar, depois a coisa começa a ser estranhamente sedutora e uma inesperada paz instala-se não sei se a partir dos pulmões se do intestino, se da bexiga, essa sim, como peixe na água, e começamos a deixar-nos ir. Que agradável silêncio líquido é este que me chama? Cá vou eu, talvez seja o tempo, para mim, do repouso. Já vou apontando as escamas para as águas profundas. É neste momento que me salva o poema. Neste caso o poema é a voz da minha filha. Espera, que ainda há poesia a reter-me aqui. É melhor ficar por aqui mais uns tempos sobre a terra, a secar-me ao ar, a aquecer-me ao fogo, água apenas qb. Que fazer para inverter a viagem? Ponho-me a boiar. Algum anjo há-de vir buscar-me, continuo a ouvir o poema aos gritos. Às vezes a poesia é dita assim, outras vezes num sussurro, outras num soluço. Já estou sobre a areia da praia e soluço, vomito a água, inundo a areia, olho o anjo. O anjo é um aluno da minha escola. Acabamos de travar conhecimento a meio do oceano. Nunca nos cumprimentáramos na escola. A partir de hoje estou-lhe eternamente ligada, numa dívida de gratidão. Quanto ao poema, olha agora para mim silenciosamente. Nos olhos, a água, não sei se a que transportei do oceano, se a parte do oceano que já existia nela. - Estou muito traumatizada, mãe. O meu poema usa uma linguagem psicanalítica. Como a poesia pós-moderna. Mas desde a poesia medieval, os clássicos, os populares, os românticos, os modernistas, os simbolistas, os surrealistas, também esta poesia nos salva. risoletapedro@netcabo.pt http://risocordetejo.blogspot.com/ |
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