Risoleta Pinto Pedro
Acerca de Deus (II)
Tendo conhecido Deus no ar, acreditei encontrá-lo na terra. Tendo procurado Deus na terra, imediatamente me despedi dele com um adeus. Porque não me recebeu, porque não me consolou, porque não me amou. Soube então que Deus era um embuste. E ele deixou. Depois conheci-o como ausente, um permanente ausente. E senti-me só. E ele deixou. Mas não quis eu um deus ateu e procurei-o no mar onde me fui a afogar. E ele não deixou. Quando finalmente quase o via, quando finalmente o sentia, mais uma vez a mim se furtou. E me abandonou à minha sorte. Procurei-o, então, no calor do fogo com que enxuguei as águas, com que consagrei a terra, o que me permitiu reencontrar o ar. E no corpo do ar, com uma espada de fogo, pelas correntes da água, pés pousados na terra, ele surgiu-me deslumbrante como um paradoxo, e eu reconheci-o porque na realidade estivera sempre comigo. Chamei-o por todos os nomes e ele respondeu, procurei-o em todos os lugares e lá estava, examinei-o em todos os erros e devolveu-me experiências, procurei-o no belo e vi o feio, procurei-o no feio e vi o belo, e nunca nada me faltou depois desse dia que no calendário marquei como todos os dias. Olhei então o passado e o futuro e vi-o a ele presente. Procurei uma linguagem com que lhe falar e encontrei-a nos livros de alguns poetas, nos símbolos de algumas pedras, no canto de alguns pássaros, nas gargalhadas de algumas crianças, nas histórias de alguns avós, no estertor de alguns moribundos, nos risos e nos gemidos sussurrados ao ouvido, de alguns amantes. Com tudo isto construí a minha própria linguagem para conversar com Deus e ele respondeu-me com o silêncio. Foi a partir daí que verdadeiramente conversámos. Quando mergulhei um silencioso olhar no interior de mim.
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