Risoleta Pinto Pedro
SÓ COM ATESTADO MÉDICO
Foi no metro. De vez em quando preciso de andar de metro. Não para me deslocar, mas para não perder a actualidade acerca do meu país. Nos jornais só se fica a saber o que eles querem, o que eles escolhem por nós. No metro, no mercado, no eléctrico, temos ali a vida exposta, ao nosso olhar.
Era um jovem professor. Dizia para o colega, que fazia um ar muito compungido de quem não sabe como vai ser possível a coisa que ele expõe, mas não tem coragem ou força para contrariar. Ele dizia:
- Agora vai ser assim: idas à casa de banho só com atestado médico.
Eu tentava perceber onde ele queria chegar. Continuando a ouvir a conversa, mesmo sem querer, mas na verdade querendo, percebi que era mesmo dos alunos que falavam. Nunca, mas nunca, me passara pela cabeça que fosse preciso um aluno apresentar um atestado médico para ir à casa de banho. Em vários e já consideráveis anos de ensino, para além das excelentes soluções pedagógicas com que tenho deparado e convivido e observado e experimentado, tenho ouvido também algumas ideias peregrinas, o que é natural, é o colorido da vida, mas uma destas…
Que poderá um atestado médico destes conter?
Qualquer coisa do género:
“Declaro que este aluno está autorizado a ir à casa de banho quando a bexiga dele o solicitar”, ou: “Declaro que a bexiga deste aluno tem necessidade de ser despejada quando der sinais disso”, ou: “Este aluno tem bexiga, a bexiga deve ser despejada regularmente, o que pode não coincidir com os intervalos das aulas”; ainda: “Declaro que a bexiga deste aluno não possui temporizador, pelo que poderá dar sinais de alarme no horário lectivo.”, etc, etc, etc.
É claro que estas coisas não acontecem por acaso. A escola é um microcosmo de um universo maior. Num sistema educativo em que se procura, sem sucesso, controlar tudo o que os professores fazem, pondo as coisas piores do que estavam, é natural que alguns (felizmente raros) professores procurem, por mimetismo, controlar até as bexigas dos alunos. À falta de melhor.
(Publicado na revista O PROFESSOR, nº 92, III Série, Janeiro/Abril 2006, pág. 4)
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