2006-06-14
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


As três maçãzinhas de ouro      





São três. Não, são quatro, mas há uma que não entendo, por isso são três. Já falei delas, moram ao fundo da minha rua. Chamam-me menina quando passo ou quando estaciono o carro ali por perto da porta, da janela, da varanda. Que é onde elas estão. Uma à porta, na cadeira de rodas, outra à varanda, nas suas frágeis pernas. E a terceira. Quando desço a rua, a primeira. À janela. Às vezes só lhe vejo a mão. Tem a mão fora da janela e deve estar sentada numa cadeira baixa, não se vê. Só a mão, como lenço ou bandeira ou sinal de SOS ou sinal de que ainda respira. Era a mais jovial, tinha sempre uma graça para dizer. Às vezes trocava diálogos em altos gritos com a da varanda, acerca do tempo ou do almoço. Penso que compensavam com a intensidade o facto de não se poderem ver. Um dia olhei-a e não a reconheci. No outro dia estava lá parada uma ambulância. Nos dias que se seguiram olhei-a e já não era a mesma. Como se não ouvisse, como se não visse. Dificilmente corresponde ao bom-dia, como se não falasse. Ontem cumprimentei-a, como de costume, e ela respondeu-me com algo que não me fez sentido nenhum. Olhei perplexamente a da varanda, que levou o indicador à testa. Linguagem eloquente, mas que não me convenceu. Percebi por que os olhos parecem não ver, os ouvidos não ouvir e a boca não falar. Já se retirou para um outro mundo. Não sei que parte lhe ficou aqui. Creio que apenas a mão, o ténue fio de nervos e pele que ainda a liga a este holograma.

risoletapedro@netcabo.pt
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