Pedro Morais no Museu de Serralves
“Locus Solus III- Um muro oco de cal pintada e água corrente “Dokusan III- Lâmina e anamorfose em parede caiada” Isto não é crítica de arte, porque não a sei fazer e não me apetece aprender. É apenas uma espécie de relatório afectivo de uma experiência que vivi num espaço de arte, ao ser confrontada com dois “objectos” artísticos.À primeira vista deparamos com algo que parece ser uma obra ao branco, a segunda fase do processo alquímico, o albedo, através da brancura da cal em parede, em ambos os casos. No primeiro a alquimia faz-se com a água e o ar, no segundo com o metal e a luz. Nós levamos a contribuição que consiste no barro que somos e no fogo em que nos transformaremos. “Locus Solus III”, que pode ser visitado na Álea dos Liquidambares, é um koan; coloca-nos perante o mesmo problema de todos os koan: como resolver o que parece inconciliável? Como harmonizar as informações contraditórias que nos chegam ao cérebro através dos sentidos? O mestre bate as palmas e ouve-se um som; o mestre pergunta: “onde está o som de uma só mão?” Aqui, os olhos mostram uma água parada, os ouvidos reproduzem o som de água em movimento. Onde está o som da água imóvel? Em que ponto do corpo se resolve (ou supera) esta contradição? Percebi, no local, que o problema não estava na água, que estava, como sempre, em nós, e que apenas o conseguiríamos resolver com uma subtil e poderosa operação ao cérebro ou… ao coração. Deve ter sido essa a razão pela qual passámos por esta “pintura a três dimensões” (em expressão do autor) e não pudemos deter-nos nela, embora na altura tivéssemos pensado que era por causa da presença de um funcionário em trabalho de manutenção. Essa foi a “forma” que vimos, o “obstáculo” exterior que apenas espelhava o obstáculo dentro de nós, como sempre acontece em todas as situações da vida: simplesmente não estávamos (ainda) preparados, não era o momento! Prosseguimos e fomos visitar, na capela da Casa de Serralves, “Dokusan III”, ou o que os nossos olhos despreparados começaram por ver: uma monumental lâmina do sabre de um samurai. A lâmina parece fixada à parede, e ao fim de algum tempo começámos a ver, projectados sobre a mesma parede, formas luminosas geométricas rectas provenientes de um desenho de 10 pontos. Isto foi o que os nossos olhos conseguiram ver: a ilusão. Mas o autor, que, privilégio nosso, nos acompanhava, pediu-nos que permanecêssemos pelo menos quinze minutos. Não foi difícil corresponder ao desafio, porque há algo naquela espada e nas luminosas figuras dançarinas que atrai, como um íman. Compreendemos por que razão quinze minutos era o tempo mínimo para haver tempo em nós e ter efeito, o invisível processo cirúrgico. É quando começamos a ver a “outra” realidade, digo, a realidade, isto é, que a lâmina não está imóvel (que a água lá fora não está imóvel, que a terra não está imóvel, que nós não estamos imóveis, ou descemos ou subimos, mas imóveis não estamos porque tal não existe, até os cadáveres se transformam), que o cabo que não vemos, do sabre, rodopia manipulado por mão invisível a uma velocidade superior à capacidade do nosso olhar. A lâmina tem uma aura (imediatamente visível, ao entrar) que não lhe permite comportar-se como uma lâmina comum, não fere a pele, não foi feita para isso, é um sabre para abrir corações à velocidade do milagre. Por isso vemos a lâmina imóvel, mas o samurai roda sobre si mesmo como luz, trespassa-nos sem que o sintamos, é o cirurgião de que necessitávamos, e a cintilação ou o reflexo projectado na parede é apenas a luminosa sombra da dança do aço de cada vez que trespassa o nosso coração, assim criando uma geometria estelar. Nota 1: Impossível não referir e agradecer a simpática e acolhedora recepção e introdução à visita, do director do Museu, João Fernandes, num dia (anterior ao fim-de-semana aberto) sem mãos a medir. Nota 2: Igualmente impossível não mencionar a excelente exposição de António Dacosta com obras que nem sempre têm estado acessíveis ao nosso olhar. risoletapedro@netcabo.pt http://risocordetejo.blogspot.com/ |
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