2006-05-10
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


O Maestro      





Quase não se dá por ele. Às vezes lembramo-nos que lá está apenas porque sabemos que é previsível que esteja. Um maestro assim discreto é realmente um mestre, possui a mestria essencial que consiste, à frente de uma orquestra, como à frente da vida, em não fazer sombra, nem ruído. Não distrai, ele é todo música e nisso nos transformamos com ele. Quando o maestro entra na música, as partículas de que em parte é feito transformam-se em estado de onda pura, ele entra nos harmónicos que cada nota transporta e é daí que dirige. Reparo no olhar vago dos músicos dirigido para um ponto que não existe no espaço mas algumas oitavas acima dos sons que pensamos ouvir. Estão atentos ao maestro porque toda a música está nele, vejo que não olham todos o mesmo lugar do ar, porque ele não está em nenhum lugar, e cada um terá de encontrá-lo no elemento para si visível. Alguns olhos aguados denunciam que é na água que o vêem, outros, incandescentes, mostram que algum fogo nos rodeia ali, é para a terra que alguns olhos se dirigem, onde eu apenas vejo o chão, e o ar está grávido da batuta, há movimento invisível, como um enorme ventre ou balão que flutua e onde cabem todas as notas em movimento ondulante, bolhas de sabão sopradas por um menino invisível, que incham à saída da sua boca. Deitamo-nos no som e deixamo-nos flutuar no movimento de maré da orquestra. Quando o som se instala reparamos que estamos sentados nas nossas cadeiras, reparamos que os músicos olham o maestro e que este se inclina respeitosamente à nossa frente, entre nós e a orquestra. Não sabemos de onde veio, mas tem o ar de um sonhador regressado de algum lugar que não conhecemos mas que estivemos, por instantes, à beira de aflorar. Ainda não foi desta que nos transformámos em flores e o maestro não se dissolveu num nenúfar.

risoletapedro@netcabo.pt
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