CONVERSAS COM HELENA À BEIRA-RIO (A pedagogia da arte)

E acrescentava Helena (estávamos a meio de uma conversa grave):
- … porque não é preciso escrever sempre coisas muito sérias. Ou muito respeitáveis. Ou muito convenientes. Ou muito socialmente correctas. Ou muito pedagógicas. Ou muito alinhadas. Ou muito desalinhadas. Ou muito iguais aos outros, ou a nós próprios, ou muito habituais, ou muito previsíveis, ou muito nobres. Ou muito sei lá o quê…

Aqui engoliu em seco qualquer coisa que não quis dizer e embalou:
- É preciso também surpreender, ser livre, brincar, ser leve, surpreendermo-nos a nós mesmos, espantarmo-nos connosco, espantarmos os outros sem que quiséssemos fazê-lo, é preciso também, sempre com ética mas sem grilhões à moral, estar para além de todas as convenções, e escrever como quem canta, ou como quem dança, como quem ri, como quem se liberta, como quem se diverte, como quem solta a mais gratuita gargalhada do mundo…

- … a gargalhada de Deus?

- A gargalhada da criação, sim. Escrever como quem não diz nada, escrever como quem não quer dizer nada, escrever como quem não tem coisa mais importante para fazer do que não dizer nada, escrever como quem não tem nada para fazer, escrever como quem não sabe o que dizer…

- Como estás a fazer…?

- Quem sabe?!

E prosseguiu:
- Escrever como gostaríamos de viver: livres, crianças, apaixonados pela vida, sem lições de moral a dar aos outros, sem querer ter razão, sem querer retirar a razão a ninguém, sem querer nada, sem ter nada, como um milionário… absolutamente livre.

- Isso existe?

- Se não existe há que inventá-lo.

- Como?

- Escrevendo assim… sendo assim, assumindo ser assim. E não o impondo a ninguém. Quem quiser ser escravo que o seja.

- E a missão da literatura, Helena? E a pedagogia da arte?

Aqui Helena soltou a mais felina gargalhada que já alguma vez lhe ouvira. E desapareceu no meio de uma pirueta, assim me deixando suspensa a meio de um diálogo pedagógico.

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