“Camionistas em Coimbra”

Passa-se no eléctrico 28, aquele que sai dos Prazeres, passa pela Estrela, Chiado, Baixa, Castelo, Graça, e termina a carreira no Martim Moniz. Helena vem a ler o jornal. Sentada! Num eléctrico repleto de turistas para o castelo. Para além do motorista e dos passageiros, o restante staff do eléctrico, funcionários fiéis que Helena já conhece: dois carteiristas de jornal na mão, jornal com aspecto de já ter pelo menos oito dias e muito uso, para se darem um ar mais intelectual, ou para disfarçarem o ar natural, isto é, que já lhes está na natureza, ou, mais provavelmente, para esconderem o produto da colheita. Helena percebe que um estrangeiro está na iminência de ser roubado. O instinto patriótico não soa mais forte, e Helena avisa-o. Em inglês. Neste momento o “ex-imperialista” (se não foi ele foi o bisavô) é a parte mais fraca. O inglês defende a carteira, o carteirista, defraudado, deita a Helena um olhar furibundo e espingardeia:

- Ao menos eu esforço-me! Não sou como esses camionistas em Coimbra! Qualquer dia também faço uma manifestação!

Ao mesmo tempo, aponta para o jornal que Helena vem a ler.

- Manifestações e mais manifestações, ele são os polícias, ele são os juízes, ele são os professores, agora também os camionistas em Coimbra! E um tipo aqui a dar o couro, arriscando-se a ir parar à prisa por causa destas senhorecas que não têm mais nada que fazer senão ler o jornal e estragar o negócio às pessoas!

Helena está perplexa. Onde terá ele visto a notícia sobre uma manifestação de camionistas em Coimbra, no Jornal de Letras que ela vem a ler?!

Vira o jornal e lá está a notícia:

“Camonistas em Coimbra”. Helena tem de fazer enorme esforço para não largar à gargalhada na cara do homem. Seria demais para ele, numa só manhã uma leitora do JL estragar-lhe o negócio e ainda se lhe rir na cara. Realmente! Um tipo a esforçar-se no eléctrico, de jornal e tudo, e estes camonistas a passearem-se por Coimbra! Não têm mesmo mais nada que fazer!

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