Risoleta
Pinto Pedro
o tempo
Novembro. Uma borboleta na Rua Augusta. Novembro, flores amarelas que
dantes anunciavam a Primavera, rompem agora a aridez de uma
estação de serviço no meio da auto-estrada.
Novembro. Pássaros a cantarem algures ao alcance do meu ouvido,
no meu terraço. Novembro. Um insecto vestido de festa pousado
sobre a mangueira do meu terraço. Que têm de comum a Rua
Augusta e o meu terraço? O tempo já não é o
que era, o meu tempo já não é o que era, o meu
tempo psicológico já não é o que era, o
espaço do Outono transmuta-se alquimicamente em Primavera. E
tudo isto por que razão? Porque os meus olhos passaram a ver
tudo aquilo que abrangem. Agora, um pássaro é um
pássaro, uma pomba fazendo voo rasante sobre os caracóis
do meu cabelo é o Espírito Santo, um bando de seres
alados é um bando de borboletas mesmo que alguém diga que
são só papéis rasgados em processo de
expansão, para mim são borboletas numa vereda de
verão, a verdade é que eu VI borboletas, o canto de um
pássaro é mesmo o canto de uma ave, uma folha verde de
tília é mesmo a primavera eterna à prova de todos
os invernos. O inferno não existe. Nem no passado, porque o
presente debruça-se precipiciosamente sobre o passado, cobre-o e
asperge-o. Um presente assim é magia branca. Cose santinhos nas
rendas da combinação do passado, o passado olha-se ao
espelho e não se reconhece. O passado já não
é o que era. Assim sendo, que vai acontecer ao futuro? Pela
primeira vez, tudo pode acontecer, até mesmo… o melhor. O futuro
já não é um acondicionamento aquecido em
micro-ondas do que passou. Agora, o futuro é o presente
precipiciosamente inclinado sobre todas as notas e todos os sons
formando uma orquestra de barítonos que revelam nas gargantas
todos os sons de sopranos, que por sua vez acolhem em suas cordas coros
de contratenores, que por sua vez formam duetos contra altos e baixos.
A harmonia é imensa. Em Novembro. Na Rua Augusta. Em todos os
terraços que conheço, que conheci. Que virei a conhecer.
Em todos os terraços do mundo. Porque todos me esperam. A mim,
cabe-me apenas escolher. Augustamente.
risoletapedro@netcabo.pt
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