2005-12-14
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro
o tempo      



Novembro. Uma borboleta na Rua Augusta. Novembro, flores amarelas que dantes anunciavam a Primavera, rompem agora a aridez de uma estação de serviço no meio da auto-estrada. Novembro. Pássaros a cantarem algures ao alcance do meu ouvido, no meu terraço. Novembro. Um insecto vestido de festa pousado sobre a mangueira do meu terraço. Que têm de comum a Rua Augusta e o meu terraço? O tempo já não é o que era, o meu tempo já não é o que era, o meu tempo psicológico já não é o que era, o espaço do Outono transmuta-se alquimicamente em Primavera. E tudo isto por que razão? Porque os meus olhos passaram a ver tudo aquilo que abrangem. Agora, um pássaro é um pássaro, uma pomba fazendo voo rasante sobre os caracóis do meu cabelo é o Espírito Santo, um bando de seres alados é um bando de borboletas mesmo que alguém diga que são só papéis rasgados em processo de expansão, para mim são borboletas numa vereda de verão, a verdade é que eu VI borboletas, o canto de um pássaro é mesmo o canto de uma ave, uma folha verde de tília é mesmo a primavera eterna à prova de todos os invernos. O inferno não existe. Nem no passado, porque o presente debruça-se precipiciosamente sobre o passado, cobre-o e asperge-o. Um presente assim é magia branca. Cose santinhos nas rendas da combinação do passado, o passado olha-se ao espelho e não se reconhece. O passado já não é o que era. Assim sendo, que vai acontecer ao futuro? Pela primeira vez, tudo pode acontecer, até mesmo… o melhor. O futuro já não é um acondicionamento aquecido em micro-ondas do que passou. Agora, o futuro é o presente precipiciosamente inclinado sobre todas as notas e todos os sons formando uma orquestra de barítonos que revelam nas gargantas todos os sons de sopranos, que por sua vez acolhem em suas cordas coros de contratenores, que por sua vez formam duetos contra altos e baixos. A harmonia é imensa. Em Novembro. Na Rua Augusta. Em todos os terraços que conheço, que conheci. Que virei a conhecer. Em todos os terraços do mundo. Porque todos me esperam. A mim, cabe-me apenas escolher. Augustamente.

risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/


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