Risoleta Pinto Pedro
A ROSA ESQUERDA
"Escreve com a mão esquerda / para abrires a rosa esquerda do desejo,"
António Ramos Rosa
* É o título de um livro de Ramos Rosa.
Inspirei-me nele para um exercício literário com alguns alunos de um curso
de escrita criativa. Um dos problemas deles era, justamente, pensavam eles,
com a criatividade. Cada um tinha, pelo menos, um polícia à porta da
criatividade. E tudo o que saía era analisado, avaliado, criticado,
censurado. É impossível escrever assim. Não se escreve nada. É impossível
fazer seja o que for, assim. Porque, às tantas, já não sai nada. Para criar
é necessária uma enorme dose de confiança na nossa capacidade de criação.
Para criar é necessário acreditarmos que somos criadores. E que somos
criadores de tudo, desde a arte, à nossa vida. Que pode ser uma arte. Para
criarmos, temos de nos conceder o direito de errarmos, de não sermos sempre
brilhantes, de aceitarmos que o que fazemos pode não ser sempre a melhor
coisa do mundo. Mas que somos capazes de nos responsabilizarmos por isso. E
precisamos de acreditar que temos em nós a capacidade de fazermos, todos os
dias, ou só às vezes, a melhor coisa do mundo. Para se conseguir isto,
primeiro temos de despedir o polícia em nós. Não é preciso ser ao pontapé;
pode ser com gentileza e até agradecendo-lhe a boa vontade. Mas é preciso
explicar-lhe que já não precisamos mais dele, que agora NÓS asseguramos a
responsabilidade por nós próprios e por aquilo que fazemos. Isso não exclui
uma revisão do que se fez. Mas é depois. Primeiro, é preciso confiar no
criador em nós. Convocando as musas, como fez Camões (eu desconfio que
falava com os seus botões à beira do Tejo) ou escrevendo com a mão
esquerda, como aconselhei, a certa altura, aos meus alunos. Com a mão
esquerda (ou a direita, no caso dos esquerdinos) conseguiram despistar o
polícia, trocaram-lhe as voltas, o coitado estava à espera no sítio errado.
O sítio do costume. E a coisa aconteceu. Fizemos outras coisas, claro,
usámos outros truques para desprogramar e descondicionar, o condicionamento
é sempre o grande problema, na criação como na vida. Mas o que eu queria,
essencialmente, era que eles provassem a si mesmos que não precisavam do
polícia, que ele só atrapalha. Na criação como no trânsito. A criação é uma
espécie de trânsito onde os sinais vermelhos só atrapalham, porque é tão
fluido que não precisa. Há um cruzamento perto de minha casa onde às vezes
se lembram de pôr um polícia a desorientar o trânsito. Quando a coisa se
mostra complicada ainda antes de lá chegar, mesmo que o movimento do
trânsito não o justifique, eu já sei que ele está lá.
Os meus alunos da escrita criativa escreveram com "a mão esquerda" e abriram
"a rosa esquerda do desejo". De criar. Ramos Rosa dixit e a coisa aconteceu.
Os poetas sabem.
risoletapedro@netcabo.pt
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