2005-08-17
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


Cervejas e caracóis

Numa esplanada de um bairro popular de Lisboa pode encontrar-se, ao mesmo tempo: um ex-ministro das Finanças com dois amigos a beberem umas cervejas, um homem a ler um Dicionário de Filosofia, e dois amigos a comerem caracóis e a comentarem a crueldade com que estes animais são cozinhados, mergulhados vivos em água a ferver, o que, de qualquer modo, não parece diminuir-lhes o prazer do petisco.

Nenhuns se apercebem que estão a ser observados, tão compenetrados estão naquilo que fazem. Uns discutem o estado (ou o não-estado, na verdade estamos quase em estado zen) do país, o outro lê, os outros deliciam-se à luz da moral.

Eu observo:

O ex-ministro governa finalmente o país, da esplanada, iluminado por uma loura líquida em copo. As ideias jorram-lhe brilhantemente da fronte, quase lhe vejo a aura. Por que não experimentam fazer os Conselhos de Ministros assim, numa esplanada, com umas cervejas? Há sempre um jovem a ler filosofia que pode funcionar como apoio ético, em caso de dúvidas, e os comedores de caracóis podem ser sempre uma referência em termos do senso comum e do pragmatismo.

Outra mais valia que tem sido bastante desprezada, são os taxistas. Um amigo meu que diz que lhe roubaram a carta (parece que foi a polícia) e que, durante uns tempos, tem que andar de táxi porque, apesar de ser professor universitário gosta de cumprir horários e por isso não se imagina a andar em transportes públicos e a ter que sair de casa três horas antes, contou-me há dias que está chocado, desde que anda de táxi, com o número de soluções que existem para os problemas do país. Cada taxista tem uma solução, não só para o trânsito, mas para a cidade e para o país todo. Da extrema esquerda, à extrema direita.

Eu não iria tão longe, ficaria muito dispendioso pôr os ministros a andarem em todos os táxis da cidade e perder-se-ia muito tempo, mas uns Conselhos de Ministros numa esplanada, por exemplo, de Alfama, com uns caracóis e umas imperiais, poderia ser a solução e talvez perdessem a fixação nos professores que agora apanharam. Tínhamos assim, de forma tão simples, o sonho do governo anterior, com ministros fora dos ministérios, só que não precisavam de ir tão longe, nem de desalojar serviços, ocupar palácios, comprar mobílias novas, etc, porque já está lá tudo: as mesas, as cadeiras, e os comes e bebes. De que é que eles precisam mais? Toda a gente sabe que os guardanapos de papel servem perfeitamente para tomar umas notas, e não hão-de ser tantas que uns guardanapitos não cheguem. Precisamos de ser criativos. E saber tirar partido do país que temos. É esta a verdadeira revolução cultural A internet também já não seria problema, porque um deles poderia levar um portátil. Eu não recomendaria o mesmo aos ministros nórdicos, mas a nós, com este clima, o ar condicionado faz-nos muito mal. Como se tem visto. E não há necessidade.




risoletapedro@netcabo.pt
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