2005-07-06
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


PENSAR O PENSAMENTO

Afirma Pessoa que é necessário cessar de pensar o pensado e passar a pensar o pensamento (cito de cor, quero dizer, com o coração: "par coeur"), e tem razão. Pensar o pensado é uma espécie de pensamento em circuito fechado, porque a tendência é pensarmos sempre da mesma maneira, dado que o nosso pensamento não é livre, mas condicionado por um sistema de "crenças" (e nem os ateus lhes escapam, apenas se distinguem dos outros porque têm crenças sem Deus, sendo que uma delas é a imensa fé na não existência de Deus) que fomos interiorizando desde que nascemos; pensar o pensado é uma espécie de ruminação intelectual; pensar o pensamento é pôr em causa o próprio pensar e assim criar uma oportunidade para quebrar a cadeia de pensamento em que andamos.

Na sua globalidade, a humanidade tem pensado muito... e muitas vezes... mal. Alguns pensadores têm pensado bem, mas esses são os que põem em causa o seu próprio pensar, colocam-se, como observadores, por detrás do pensamento, assim conseguindo, pela observação e crítica, pensar realmente por si mesmos, sem reproduzir pensamentos estereotipados, repetitivos, "bem aceites", sustentados em crenças, medos e ilusões, assim pensando descondicionadamente. Como seres livres. Realmente pensando, e não reproduzindo formas de pensamento.

Pensar o pensamento é pensar os processos, é ter uma visão dinâmica deste instrumento que é o pensamento, é pô-lo a funcionar ao nosso serviço, é deixar de ser escravo de um pensamento programado, é pô-lo em causa, é pôr-se em causa, é pôr tudo em causa e sempre.

Pensar o pensamento é ousar ter um pensamento original e individuado (segundo Yung). Consciente dos seus próprios mecanismos e das suas limitações. Consciente do quão provisório e temporal e preso ao espaço é esse pensamento. Pensar o pensamento é criar espaço dentro de si e deixar-se iluminar pela intuição.

Poderá ser essa a utopia nacional de Bandarra, de A da Silva, passando por Camões, Vieira e Pessoa, esses pensadores do pensamento. E de outros, anónimos, cujo nome não ficou na história mas que merecem que os evoquemos e honremos a sua memória, como seres livres.


risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/


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