Um hipermercado na praia Qualquer dia não há polícias que cheguem. Por muito que se reforcem os corpos policiais, vai haver uma altura em que todo o policiamento acaba por ser inútil. Com uma publicidade e um marketing descaradamente agressivos, impelindo, com a maior naturalidade, ao consumo de tudo o que existe, quer seja essencial ou acessório, e a valorização que por todo o lado é feita do "ter", quer seja cheiro, canteiro, sabor ou amor, imagem ou viagem, gente ou detergente, tudo isto à mistura com o desemprego, a imigração, a descontextualização, o vazio, a culpa, o omnipresente e inconsciente sem sentido, que fazer? Pôr mais polícias à porta dos bancos, ao pé dos multibancos, nas bombas de gasolina, à entrada das escolas, nos bairros finos, nos bairros degradados, nos outros assim-assim, nos autocarros, no metro, nos comboios, nas consciências, à entrada dos corações? Para quê? Ali está, sobre a areia, um excelente hipermercado à mão de recolher. Com telemóveis, bolsas, roupas, carteiras, chaves, cheques, euros. Um hipermercado sobre areia ao alcance da mão e sem caixa de pagamento à saída. Irresistível! É entrar, meus senhores, é entrar! Quanto ao consumo, há os que não precisam de se esforçar para terem tudo o que precisam e o que querem e o que não precisam e mesmo o que não querem, há os que trabalham muito para conseguir estas mesmas coisas todas, há os que se esforçam para terem o que precisam e um pouco mais, há os que se esfolam para terem, a custo, o que precisam, há os que, por mais que se esfolem, nunca chegam a ter o que precisam, há os que gostariam de poder esfolar-se mesmo sabendo que nunca terão o que precisam, mas nunca têm oportunidade para o fazer, e há os que, sabendo isto de antemão, não chegam, sequer, a esforçar-se. Depois, há os outros, os que, sabendo tudo isto, observam, são criativos e até sabem por onde andam as riquezas e por onde não andam os polícias, e como são sensíveis à publicidade, até gostariam de ter o que as montras, os anúncios e as prateleiras dos altares do consumo exibem como o desejado sacramento para a entrada no céu da felicidade "à la carte". São guerreiros de um exército sedento de coisas. Um exército especializado em saque aproxima-se então daquilo que a um alienígena se afiguraria um campo de despojos, e limita-se a recolher. Terão, certamente, um general ou vários generais não desinteressados por trás. Esses, nunca ou dificilmente vão ser apanhados pela polícia. Entretanto, durante algum tempo, as nossas praias passarão a ter, não mais caixotes de lixo, mas mais polícias e menos banhistas e os comboios também vão ter mais polícias, e a indústria do turismo vai tremer por causa da imagem do país, e, como uma manta que tapa de um lado e destapa do outro, um dia, mentes brilhantes vão descobrir que os polícias andam esquecidos de vigiar um sítio qualquer e lá vão eles recolher o que houver para recolher, e os telejornais vão noticiar e o turismo vai tremer e o governo vai cair e outro se vai erguer e assim sucessivamente enquanto houver Europa e planeta. Chama-se a isto qualquer coisa arraçada com o capitalismo neo-liberal e é assim que se vai vivendo num país que há muito se esqueceu do que é ter uma vida normal. Pode ser que nos tornemos todos polícias a vigiar o pensamento e os impostos uns dos outros e que nos dêem uma arma ao nascer e que na escola, juntamente com o Português e a matemática, passe a haver aulas para aprendermos a utilizar as armas, isto é, sabermos não matar ninguém por engano mas porque queremos ou precisamos de matar alguém. Porque é assim que se deve matar. Nunca por engano. Era mais prático, gastava-se menos dinheiro em fardas, passávamos a precisar de menos médicos, e escusávamos todos de andar descansados. Happy End risoletapedro@netcabo.pt http://risocordetejo.blogspot.com/ |
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