2005-06-08
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


O Largo

Antigamente, o Largo era o centro do mundo. Hoje é apenas um cruzamento de estradas, com casas em volta e uma rua que sobe para a Vila.[...]

É o título e o princípio de um conto de Manuel da Fonseca in O Fogo e as Cinzas. Fala sobre a morte do Largo numa aldeia alentejana (metáfora de todas as aldeias em extinção?) e do risco em que se encontra a convivencialidade. Por causa da chegada do comboio, que surge, no conto, como o símbolo antecipado da hoje falada (e sofrida) globalização. Segundo este conto, o comboio vem alterar as formas de comunicação, as relações de comércio e de convívio.

Na minha aldeia, que fica no centro do coração da cidade, o largo não morreu. Observei-o numa quarta-feira em que a primeira noite quente saiu à rua, e com ela, os moradores.

Os lisboetas (ou os antigos moradores do "Largo"?) sentam-se em banquinhos às portas, e mesmo nos degraus das casas ou à borda dos passeios. Trazem cervejas nas mãos e... conversam! Vi-os ao pé da minha rua, tive que encolher o carro para não atropelar, numa rua já de si estreita, estes anacrónicos habitantes de uma cidade em tempos chamada aldeia por um poeta inteligente.

Mais à frente, num larguinho onde normalmente só vejo carros, estacionavam, sentados na fonte seca, outros três saudosos da rua, da reunião e do convívio.

Fui observando este paradigma (fica bem falar assim, e dá, ao tema, um toque científico de respeitabilidade) ao longo do meu percurso.

A salvação das nossas aldeias está, afinal, na cidade, com aqueles que transportaram para ela uma forma de estar que julgávamos morta, mas que, afinal, apenas está oculta, e latente. Não pode morrer, o que levou milénios a nascer e a crescer: comunicação, livros, alimentação e outras formas de arte. O que temos é que arranjar-nos para que possam conviver com as novas formas. É tudo uma questão de espaço, organização, abertura, flexibilidade e inclusão. Na era dos computadores super sofisticados, os seres pré galácticos sentam-se às portas, ao lado dos gatos, traseiros plasmados sobre a calçada tradicional, conversam sobre o tempo, perguntam as horas a quem passa e bebem cervejas. Há esperança. O Largo não morreu. Apenas mudou de lugar.

risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/


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