- Um dia, sem que estejas preparada, olhas o teu pai, aquele valente que te dava a mão quando eras pequenina (era uma mão escudo, uma mão elmo) e assim te afastava todos os medos, e que vês agora? Um passarinho tão frágil de passos hesitantes como um pardal doente. Que é feito das esporas? Helena chegou, disse e partiu. Abanando a cabeça. Não precisei de mais para perceber como ficara abalada e comovida por ter visto o pai como um pequeno pássaro franzino e desprotegido à procura do ninho. Tivera uma revelação. Era este o pai dela. Surgira-lhe como dolorosa aparição. Viera fazer-me a irrespondível pergunta: - Com que cuidados se pega num pai pássaro? Que se pode fazer quando nos cai em cima um pequeno pardal de um ninho que não vimos e descobrimos que ele é o nosso pai? Como lhe retiramos o pó, e a nós o nó que nos aperta a garganta e nos impede o canto e nos dificulta o lamento? Partiu, quando compreendeu que eu não sabia responder à pergunta dela. Um dia, olhamos o nosso pai e vemos um passarinho de asas molhadas e olhar fugidio e andar com um ritmo irregular, saltitante, como quem evita o chão que provoca a dor nos ossos. Outros nunca tiveram o pai elmo, o pai escudo. Há quem tenha tido sempre um pai pássaro. Ou nem isso. Esses sempre souberam que são mortais. Os outros percebem-no subitamente. Um pai pássaro, seja qual for o momento em que travemos conhecimento com ele, aproxima-nos da nossa própria mortalidade. E, desejavelmente, da compaixão. Essa que nos liberta da morte. Quando encontramos o Pai dentro de nós. Só assim nos
salvamos, e ao pai. E ao pássaro que somos
nós. |
LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS
DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS