Risoleta Pinto Pedro
"Eu canto para ti um mês de giestas[...]"
"MEMÓRIAS DE ADRIANO"...
... Correia de Oliveira.
Corre-lhe a paz no nome.
Há a quem caia o coração aos pés, há quem fale com o coração nas mãos, há quem lhe suba o coração à cabeça.
Há quem cante com o coração na voz:
Adriano. Nasceu, cantou, morreu. A voz existe. A voz persiste. A voz é rigorosa, no vibrar da emoção e no bater compassado da compaixão. O ritmo é o do coração.
Do fado de Coimbra à canção, passando pela balada, o tom tanto pode ser o da austera crítica, como o da demolidora e severa sátira, como o mais puro lirismo.
Foi príncipe numa geração de músicos generosos, num tempo de generosidade e fé. E expectativas. Não sei de que lhe morreu o corpo. Mas pode ter sido disso. Com ele, partiram as expectativas. Connosco ficou a fé, porque ficou a sua luz; na voz: a nobre causa, o som como um sino dourado que apetece beijar. Se é possível beijar um som, ou um sino, ou o ouro que apenas os nossos olhos sabem e vêem, que apenas a memória de Adriano de cada um recorda. Um sino dourado pode assumir as mais diversas formas, mesmo a de uma voz, ou um rio. A voz de Adriano é um rio, porque flúi, liquidamente. Como num rio, as margens são o silêncio e a música. As margens apenas acompanham; contentes, não contêm, não retêm.
As propriedades da voz-rio são a cor dourada, quente, de sabor doce e textura macia. É com todos os sentidos que se ouve.
Como animal, é um pássaro livre. Como idade, é uma criança suspensa e generosa. Como árvore, é um choupo, porque rio. Perguntem a Coimbra, ao fado que soa na folhagem das árvores das margens do Mondego. Perguntem aos amorosos que por lá passam. Que no rio bebem e se abraçam.
Foi nestes campos banhados que Adriano soube da injustiça, que aprendeu a justiça, que amou a liberdade, que praticou a resistência. Para sempre. E a solidariedade. Humilde, sempre, desde os princípios. Transportava as guitarras dos cantores amigos, para estes poderem levar as pedras quentes embrulhadas em jornais com que aqueciam as mãos, para tocarem nas noites frias de Coimbra. Um dia, um cantor faltou. Ele cantou. Nunca mais parou. Ainda canta.
A voz ainda é (sê-lo-á sempre) quente, doce, macia, dourada. Com estes quatro sentidos é possível ouvir, totalmente, a voz de Adriano, porque é dentro do corpo total que se ouve o canto da alma.
"Eu canto para ti em" Maio e não me ouves; entre giestas estás e aguarelas e perfumes e ecos de pássaros, finalmente livre. Nunca nos encontrámos num país tão pequeno... Agora sou tímida voz entre muitas a sussurrar para que te ouçam a ti apenas. Não minha pobre voz de arauto.
risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/
|