2005-04-13
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro

Nos bastidores da criação

Numa sessão da Sociedade Portuguesa de Autores, recentemente realizada e dedicada à escrita para música de cena (libretos para cantata, ópera) em que fui convidada a reflectir em voz alta sobre esta prática, o que fiz conjuntamente com Jorge Salgueiro, compositor com quem tenho tido o privilégio de trabalhar, falava-se sobre criação para crianças. A nossa opinião, coincidente (e nem sempre partilhada por quem teria a obrigação de entendê-lo), é muito clara: a escrita para crianças, quer musical, quer literária, e falamos apenas destas duas áreas artísticas porque são aquelas que melhor conhecemos enquanto criadores, não tem que fazer concessões de facilitismo ou infantilizar as linguagens. A experiência tem-nos provado ser essa uma atitude justa. A linguagem textual apresentada às crianças nas obras que criámos tem sido complexamente poética e simbólica, e tem sido musicalmente erudita, isto é, qualquer uma das obras, embora uma mais do que outra, até pela temática, pode perfeitamente transformar-se num espectáculo para um público adulto; no entanto, tem tido como público salas repletas (e silenciosas, e atentas) de crianças entre os quatro e os catorze anos, sensivelmente. Vimos isso em espaços como o Forum Lisboa, no Centro Cultural Olga Cadaval em Sintra, vimos isso no Teatro Rivoli e no Coliseu do Porto. Entre outros.
Assim como concordo absolutamente com Jorge Salgueiro – esse ainda tão jovem compositor mas cujo trabalho já vai a caminho da sua Opus na ordem da centena e algumas dezenas, que é talvez mais conhecido do grande público pelo maravilhoso trabalho de composição que tem feito para o grupo de teatro O Bando – quando ele afirma que não precisa de querer parecer contemporâneo ou moderno, porque ele É contemporâneo, porque ele É moderno. Esta é uma área em que, ao contrário da mulher de César que, para além de ser, deve parecer, basta ser, não é necessário parecer. Porque a criação é do que mais verdadeiro fazemos.
E é o caminho no qual prosseguimos, sejam quais forem as adversidades, ou apesar delas, quer sejam formas mais ou menos encapotadas, mais ou menos explícitas de censura, quer sejam as dificuldades de publicação ou de recepção do público a um certo tipo de escrita, porque a estética também tem sofrido um tratamento mais ou menos subtil de formatação e vende-se aquilo que o gosto dominante (nem sempre o mais requintado), quer vender. Como me dizia um pouco antes dessa mesma sessão, Almeida Faria, é difícil publicar teatro. Pois é, e isso é tanto mais absurdo se pensarmos que num país normal, um escritor de prestígio como ele pela qualidade mais que provada, não deveria ter dificuldade em publicar fosse o que fosse, ainda que teatro ou outro género mal amado.

risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/




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