2ª SESSÃO DE LANÇAMENTO DE VENITE IN SILENTIO Livraria "Som das Letras", Évora, 28 de Setembro de 2004
É um prazer proceder ao lançamento de um livro numa livraria cujos livreiros gostam de ler e falam apaixonada e inteligentemente sobre os livros. Porque isto, que deveria ser uma evidência, nem sempre é assim.
Há uma música do Caetano Veloso chamada "Livros" que diz assim:
[...] mas os livros que em nossa vida entraram
são como a radiação de um corpo negro
apontando pra a expansão do Universo[...]
Os livros são objectos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
que votamos aos maços de cigarro
domá-los, cultivá-los em aquários,
em estantes, gaiolas, em fogueiras
ou lançá-los para fora das janelas
(talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
ou- o que é muito pior- por odiarmo-los
podemos simplesmente escrever um:
encher de vãs palavras muitas páginas
e de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas para mim foste a estrela entre as estrelas.
Foi nessa linha que, no primeiro lançamento deste livro, em Lisboa, na Ler Devagar, eu terminei a minha intervenção lançando realmente o livro, que foi aterrar nos braços de um senhor que estava lá atrás e que, por acaso, até já tinha adquirido o seu exemplar. Ficou com dois. Certamente que os merece. Na altura justifiquei o acto recordando algo que dissera no lançamento do meu anterior livro: O Arquitecto
Quanto a este livro, embora cada livro que se escreve seja, para nós especial, como cada filho que se tem, este é "especialmente" especial porque, para além de ser mesmo um filho no sentido em que a sua criação correspondeu praticamente aos nove meses de gestação, teve o benefício de não ter nascido do ventre de uma mãe solitária como é normalmente o escritor no seu canto, mas desenvolveu-se e nasceu no seio de uma larga comunidade que, embora situada na Serra d'Ossa, abarca toda a rosa dos ventos. É como uma criança nascida no seio de uma tribo em que cada adulto o acarinha e cada adulto se sente responsável por ele. Como aqui se vê. Até tivemos arautos e uma anunciação. Como de um menino real.
Assim nasceu esta criança-livro e assim foi esta gravidez. Acompanhada. Nasceu no seio da Amalgama, que é um útero e um sítio óptimo para se nascer. Nasceu in silentio ao apelo de uma voz dizendo: venite.
Agora, separado desse ventre, o livro terá que fazer o seu percurso sozinho. Como qualquer ser. Logo, este livro é um ser.
Qual foi o meu papel? O meu papel foram vários. Planeei a criança, concebi-a, embalei-a, umas vezes foi feliz o processo, outras vezes foi difícil. Porque assim é a vida. Mas sempre presente, o entusiasmo da criação. Nunca o entusiasmo me abandonou, nunca deixei de me sentir possuída por Deus, seja Ele quem for, que isso significa estar entusiasmada.