RISADINHA
Rosa Maria Valente Soares
Ilustra es de L dia Duarte
Unicepe, 2004
P ginas - 44
Formato - 148x210 mm
Peso - 131 g
PVP - 7 €


RISADINHA
uma leitura tagarela



Permitam-me uma apresenta o pouco ortodoxa desta hist ria das Tagarelas, tagarelando eu sobre leituras que me aconteceram saltando p ginas, retrocedendo, recome ando, entre o pa s das ditas Tagarelas e o do Riso Verde. S o muitos os encantos e n o menos os enigmas, n o falta a realidade, menos ainda a poesia, e porque muita a poesia, o leitor h -de ser a seu modo um poeta. O caso que tamb m n o h -de ser um mudo, esse handicap da Risadinha (pp. 10 e 13) e, se o , pode bem um dentu as qualquer que os h por a com consult rio e tudo descortinar-lhe a chave e desentaramelar-lhe a fechadura da porta. E porque tamb m j n o resisto a levar-vos mesmo ao pa s das Tagarelas, como a esse outro do Riso Verde, farei eu pr prio de cicerone, j no carreiro das formigas (pp.11, 35).

*

A hist ria simples, e breve. Risadinha, do pa s das Tagarelas, n o consegue falar. Perante a desola o das Tagarelas imagine-se que n o conseguem desembara ar tal mudez, Risadinha, ela tamb m constrangida por semelhante impedimento, resolve retirar-se para o pa s vizinho dito do Riso Verde, onde encontra um tal Trinca-Serrim, que lhe remove o obst culo. Logo lhe chegam as saudades da terra natal aonde regressa, para encontrar a tristeza e o sil ncio que precisamente aquilo com que n o pode uma verdadeira Tagarela. Desperta ent o as Tagarelas, restituindo-lhes a tagarelice feliz no pa s ensombrecido. Passam cem anos (afirma o narrador), Risadinha uma risonha velhinha contando hist rias s netas, quando recebe a visita desse Trinca-Serrim prodigioso.

Neste esbo o da narrativa pode vislumbrar-se desde j tr s sentidos predominantes que atravessam esse incontorn vel tema da exist ncia, em tr s das suas vertentes: a do tempo (que concede o momento mas assombra com a finitude das coisas), a da fala (que ao ser falante d carne a consci ncia), a da alegria (que a chama que vive do esquecimento da morte na combust o da palavra).

Tudo o mais que soubermos ouvir atrav s das malhas subtis do bordado do texto, s o, direi eu, poesia. Este texto exibe, n tido, um gosto do poema, tendo no seu avesso o suporte narrativo, m nimo como se viu, por onde opera. pois mais propriamente um poema narrativo, numa linha, actual, que vem da tradi o oral dos romanceiros

*

Seres indefinidos, meras criaturas po ticas, parece serem votadas alegria, n o sem uma certa frivolidade. O nome que lhes dado parece confirmar isso mesmo, tagarela , aquele que fala muito, mesmo demais, indiscreto e bisbilhoteiro, como se pode ver nos dicion rios; a etimologia parece vir do rabe, tak lam, que significa eloquente, falador. Assim, pergunto ao texto que tagarelas s o essas de que me fala logo no in cio (p. 7) e me responde que s o bocas , bocas tagarelas , e um nada mais adiante situa-as num jardim ( Nasceu mais uma boquinha / Para animar o jardim! ). Concluo que s o flores, mas logo vejo que sofrem de antropomorfia (prosopopeia), doen a maravilhosa quanto funesta e por aqui j se v que leitor est lendo , e na p gina seguinte, o termo convidaram (elas as tagarelas) confirma a doen a que consiste nessa capacidade de linguagem (humana) que permite aos humanos contar e ouvir hist rias de flores que falam, desejam, sofrem, sonham. Ser o mulheres, sem d vida, as tagarelas, sob forma de flores. Tagarelas porque talvez o vento lhes n o deixe descanso, vertiginoso, outras vezes insuport vel na lentid o. convidaram para madrinha a boca Fala-Barato e para padrinho o boc o Sabe-Tudo (p. 8). Certamente para o baptizado da boquinha-beb encontrada no seu ber o o repolho serpent o (p.7).

Tagarelas, sem aquele tra o depreciativo que costumamos dar palavra. Porquanto a tagarelice das Tagarelas tudo indica ser um tra o outro, extrovertido, saud vel, alegre, de bem com o mundo, ainda que alguma delas possa de seu natural ser mais fala-barato, como parece acontecer com aquela convidada para madrinha; a n o ser que, por ironia do mundo, tenha recebido um nome impr prio n o por culpa do autor, j se v , antes por exig ncias da m mesis de um tal Arist teles.

por demais not rio tratar-se pois de seres de uma grande vitalidade em conson ncia com a terra, n o s pelo modo como exprimem o aparecimento de uma nova irm (p.7), como pela forma incontida em que o far o saber, assim como por essa festa que se prolongar por muitos dias e meses (p.8). Continuando por a fora cruzando as informa es do texto acerca das tagarelas, depressa veremos que isso de as dizer flores uma artimanha engenhosa da poesia. Gente de carne e osso, alma e nervos, desejos, alegrias e frustra es, o que de facto elas s o numa vida em tudo bem semelhante nossa. Flores, nossa semelhan a. Iguais entre si, como n s entre n s, com as devidas diferen as de cada qual. E mesmo que a esmagadora maioria dos leitores n o escreva arrazoados deste teor sobre as leituras que fa am das ditas florinhas, entender o muito bem entre texto e ilustra es que as ditas florinhas s o gente pequenina e delicada que habita um jardim qualquer imagin rio l do pa s das Tagarelas, uma esp cie de fadas, dr ades, s lfides nada assim t o estranho afinal.

Mas tem de observar-se que, n o obstante aqueles tra os de uma extrema alegria algo fr vola, s o, as Tagarelas, seres dotados de um projecto de vida com suas normas e exig ncias, fundamentado no costume e, nisso de essencial aos tagarelas que aprender a falar. E sendo assim, um c u azul come a a nublar-se com essa irm que n o aprende a falar, isso l que lhe tolhe a l ngua na ocasi o da palavra, que onde se l A porta que deixa sair a voz estava trancada com chumbo que como t o poeticamente se exprime o facto (p.13). E ent o como que come a a entardecer, dissemina- -se uma sombra, vem a tristeza, uma grande melancolia, e mesmo uma prostra o que acaba por se instalar nesses seres t o sens veis e afectuosos que emudecem, se esvaem, com a retirada e a aus ncia de Risadinha. pelos recantos mais belos, onde os sapos se casam com as borboletas, as tagarelas desmanchavam os dias tricotando l grimas a fio. (p.14). Por isso, de regresso ao seu pa s natal, Risadinha vai encontrar as Tagarelas desfeitas em l grimas que mais parecem p lidos seres submersos. No lugar dos jardins morava um rio de guas chocas (p.36). Surge de novo aqui a quest o do entendimento de quem sejam as Tagarelas, a que esp cie de seres pertencem verdadeiramente. N o a quest o essencial, tanto mais que as Tagarelas se consubstanciam muito mais como s mbolo dessa f ria faladora, lume vivo que faz o homem; mas como n o h -de o leitor, na paix o mesma t o tagarela da leitura, vislumbr -las, dar-lhes alguma forma mais fantasiosa sem o que a mat ria do mundo, esfumando-se, esfuma o mundo?

*

Como conceber as Tagarelas sem o riso abundante, eu diria permanente, e f cil, que lhes assedia a boca irrequieta? Risadinha , parece indicar, pelo nome, aquela que se anuncia como a mais risonha das tagarelas, porventura a mais feliz, a mais plena que se concebe na vida, j no ber o fadada para um tal destino, embora se n o saiba nunca o que as tr s fiandeiras tecem, medem e cortam, decidindo-nos a sorte. Estas coisas da mitologia antiga contam ainda muito, passados que foram dois mil nios t o judaico-crist os que nos controlam as hist rias, e tamb m a leitura delas.

Risadinha pois uma tagarela. Mesmo se n o aprende a falar, da esp cie das tagarelas, n o por exemplo da esp cie sorumb ticas , que preferem, ao sol, a sombra h mida dos caminhos abandonados, ou da esp cie luxuriantes , empertigadas, de seu nariz em ess ncias climatizadas por estufas. O caso que Risadinha n o nasceu para a mudez, para a sombra; tudo a destina para o sol, para o vento, para a festa da terra e do fogo. Do fogo, porque ele s mbolo da vida com suas f mbrias entre a morte e o nada. Ou n o sejam as tagarelas cada qual uma chama. A sua tagarelice acentua a linguagem que isso que d forma aos humanos dotando-os de consci ncia, com esse cortejo todo de coisas alucinadas de que d o conta fil sofos e psiquiatras, mas tamb m esses magos, de algum modo em todos n s, fazedores de poesia, tecendo-a, desfiando-a, na esteira do que fazia Pen lope pacientemente esperando.

Risadinha nos ent o igual, por mais que n o lhe divisemos pernas e bra os, vestidos, culos, ou qualquer outro atributo que nos devolva a imagem. Risadinha, pelos requisitos de tagarela, torna-se-nos familiar, sens vel e compreens vel, por mais fantasiosa que se nos apresente. Sens vel, mais ainda na desgra a do seu insucesso escolar, nesse seu lament vel e grave handicap que lhe pode tolher o futuro. E se o seu nome indicia mais, h -de ser o do triunfo na consuma o mesma do riso.

Risadinha, desde logo confrontada com aquilo que exige uma certa educa o (temos aqui a pedagogia), revela ent o esse fardo dos professores, o tal handicap. Entendamo-nos: n o uma defici ncia, mas um grave bloqueio, uma disfun o, impedimento na prossecu o dos objectivos, no caso, a articula o dos fonemas e, consequentemente, a impossibilidade da da fala e da aquisi o da linguagem. A porta que deixa sair a voz estava trancada com chumbo (p.13). E como cabe s tagarelas adultas ensinar as crian as-tagarelas, imagina-se facilmente o drama das tais pobres senhoras que nasceram para a folia e a tagarelice.

*

A outra personagem decisiva nesta hist ria o Trinca-Serrim, o dentu as , serrote m gico, o cientista .

O dentu as a morte. N o a morte terr vel, negra, caveira sobre os dois ossos em cruz, esse s mbolo com que conjuramos o perigo dos venenos letais, o banimento do ser no sentimento que ainda . Dentu as a morte sem a qual n o h vida, a que mant m a esp cie sacrificando o indiv duo. Pela floresta diz o texto marchavam os serrotes, as serras e os machados. (...) as rvores, de bengala, desdentadas e com rugas, batiam palmas s gargalhadas (p.23). e neste ponto, o narrador, s bio que , pergunta: Acaso deviam chorar? cientista, o dentu as, sabe bem que n o, operando pois em conformidade. M gico, pois claro! Poeta, talvez, tamb m, o que o texto n o diz mas transpira de esguelha por suas linhas direitas. Sem d vida... esse serrote com as suas magias na mem ria de quem a tenha, com aquela ci ncia de quem n o saiba, serrando a luz de sentidos que disparam sentidos outros, como na forja de Vulcano.

O dentu as a morte que a vida. Aqui, talvez, a crian a n o l . Nunca se sabe! Se l , se alguma coisa l , n o tagarela a leitura, que o desenho em que a fa a sup e ainda dificuldade com a palavra. Talvez tamb m pela mem ria demasiado jovem. Ser o precisos esses cem anos todos at s visitas ltimas do serrote m gico (veja-se a p. 40).

Que o serrote m gico a morte que vida, est bem expl cito na monda que faz nas rvores, apertadas demais nessa falta de espa o do pa s do Riso Verde (p.20), quando na interven o cir rgica remove o chumbo todo trancando a porta, naquele beijo t cnico que tamb m os h . Para n o falar desses amores secretos e sabiamente comedidos, subtilmente emersos, logo adiante, nessa pedra da floresta, a palavra mais ntima dada m sica dos p ssaros (p.33), ou tamb m nesse arrebatado mergulho atirando-se do castanheiro (p.30), ou ainda, pela primeira vez, ap s aquele balanceamento da porta que chiou e se abriu (p.29), e deixou desimpedido esse apaixonado beijo com foguetes de m sica (p.30).

A m gica do dentu as est nesses dentes todos prodigiosamente faiscantes, alinhados como soldados para a paz e para a guerra; a ci ncia, no que cortam dando passagem ao tempo, ele vai comer-me aos quadradinhos pensou estarrecida a Risadinha, ro ando-a o dentu as sem se ter dado conta , e logo o tranquilizou estendendo o bra o num gesto amigo (p.25). Esses dentes, que mordem e beijam ao mesmo tempo, dentes de um animal sofisticado at alma, sustentam-se da carne que sacrif cio de outros seres. Mas todo o ser assim. E ao mesmo tempo o sonho, o sentimento, a palavra de um espelho por demais n tido.

*

Pode parecer um tanto artificioso fazer de um texto t o visivelmente configurado para crian as, objecto de leituras t o especiosas sen o mesmo desvairadas. O facto que um texto liter rio, qualquer que ele seja, Branca de Neve ou A Tempestade de Shakespeare, proporciona a cada leitor que se lhe depare aquilo que seja capaz de l ouvir. E n o se pode supor, claro est que, exposto o texto, seja pela oralidade ou pela escrita, possa subtrair-se a este ou aquele conforme os gostos, desgostos, entendimentos, cultura, idades... por a fora. Ao contr rio, qualquer que fosse a restri o que impusesse, essa discrimina o quanto aos leitores, o esvaziamento em qualquer das suas fun es, o texto apenas se empobreceria, perderia sugest es, enigmas, sedu es, horizontes, funduras, que lhe s o vitais. A tudo Risadinha responde, conforme o leitor. Confirmar o grau de sua tessitura po tica por mais prosaico que se ofere a, ou pare a.

Nunca me esque o de ter ouvido um dia, decorria um espect culo not vel para crian as, que era de torcer o nariz quando os pais, levando os filhos ao teatro, n o ficassem espectadores eles tamb m. Se bem entendo, de torcer o nariz a tudo aquilo que servindo bem crian a n o possa servir ao adulto, ou vice-versa falo da literatura, mas a observa o v lida para o livro aberto do mundo. Brecht, quanto Einstein (todos os outros) reparavam em coisas que em geral s s crian as espantam, sendo a que encontraram o g rmen de personagens e teorias. Em Risadinha, creio, a densidade dos s mbolos projecta longe a proximidade das imagens, dos eventos, dos seres, da tagarelice po tica das palavras entranhadas de vida. Risadinha faz de n s, por este seu talism de maravilhas, tagarelas v vidos com um mapa de tesouros, a dois palmos de uma ilha mir fica.

Tamb m a linguagem, po tica, de Risadinha, n o d mostras de concess es ou limita es, t o plenamente se resolve no encantamento da express o mesma. Destaco algumas formula es po ticas a t tulo exemplificativo: Numa perfumada manh de grilos , logo nas primeiras palavras (p.7); A porta que deixa sair a voz estava trancada com chumbo. (p.13); as tagarelas desmanchavam os dias tricotando l grimas a fio. (p.14); adormeceu profundamente como uma cereja num boi o de calda de a car (p.19); Ele vai comer-me aos quadradinhos (p.25); um beijo com foguetes de m sica (p.30); Os p ssaros tocavam flauta e as flores dan avam na ponta dos p s (p.33); o meu cora o um campo de trigo com papoilas pelo meio (p.33); E o rio que era composto de l grimas, cada vez crescia mais (p.36); Passa os dias sentada num banco de rosmaninho (p.40); no quentinho da lareira, onde se desembrulham as hist rias (p.40).

Linguagem impregnada de lirismo, sua rede de s mbolos coloca, quero frisar, a quest o sempre candente da escrita e da leitura, na dial ctica que as tece-desfia-tece... Parece-me interessante notar aqui, a prop sito do texto de Risadinha, dois aspectos que decorrem respectivamente do acto da escrita e do acto da leitura (de quem escreve e de quem l ). Em primeiro lugar notarei que aquele que escreve n o o pode fazer sem que leia o que escreve, medida que escreve; o que escreve vai sendo a cada passo fun o do que l , e n o h escrita que possa prosseguir de outro modo, de tal forma que se torna artificioso separar leitura-escrita, ou seja, escrever escrever-ler. Eis porque posso procurar no texto a leitura do autor, independentemente da minha. Em segundo lugar notarei que aquele que l sem que seja o que escreve, l tanto a escrita do texto como a leitura (uma leitura) que intrincadamente o modela, leitura a que op e a sua, fora que est do processo de produ o do texto, longe dele, e alheio. Curiosamente, aquele que designamos vulgarmente por leitor , escreve ele tamb m, numa leitura que faz , a leitura que faz, ao confrontar, por exemplo, leituras sucessivas que se cruzam e reformulam. E aqui, na complexidade da quest o, que me surge a rela o autor-leitor quando o autor vise por algum modo o leitor-crian a. Escrevem-se textos para crian as, ou pensando nelas, mas os textos, quaisquer que sejam, est o sempre expostos a quem os leia. Respondem ou n o a qualquer leitor. E assim sempre foi. Mesmo quando o leitor se confinava no ouvinte.

Este texto de Risadinha comprova isso mesmo, ao abrir ao leitor, quem quer que ele seja, os mais diversos n veis de leitura, sem concess es nem restri es o poeta concedendo, ao leitor, o poeta. Por essa linguagem que direi do sens vel (n o s do intelig vel), ou seja, a linguagem do po tico, linguagem de plenitude.

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Inserida no livro, na hist ria, a ilustra o (chamemos-lhe assim) passa a desempenhar suas fun es, iluminar, comentar, aformosear... Embora o aformoseamento do livro agrade ao leitor, pode estorvar a leitura prejudicando o texto. A fun o de iluminar, a meu ver, dever ser entendida no sentido de uma leitura do ilustrador que vem estimular e dialogar com a nossa leitura, n o conduzi-la, elucid -la sem que tenha esse prop sito, o leitor quem dir . O pior que pode acontecer ilustra o ficar-se pela decora o, pelo ornamento, podendo at obliterar o texto.

Neste livro, quase sempre cada ilustra o se insere numa leitura pr pria que o artista n o inibe, ou, pior, abstrai. Logo na p. 6, em que o motivo vem da boquinha a dormir (...) , essa leitura est marcada pelo abandono da meton mia a boquinha afirmando desde logo a humaniza o total da personagem. Na p. 9, ao contr rio, o motivo a ideia da festa na sua globalidade, sem pormenores, sugerida agora por duas imagens fazendo ouvir-lhes a m sica; o flautista e o percussionista iluminam a festa que o texto diz apenas que se prolongou por dias e meses. Na p. 11, o motivo consiste no que o texto diz dever exibir uma boca bem aprumada, rir, cantarolar, assobiar e falar acertado ; uma vez mais a m sica, a que se junta a dan a, parecem um coment rio relevando as express es n o verbais, ao mesmo tempo que incutem nos olhos do leitor movimentos e cores muito peculiares, consolidando essa esp cie perversa que vem do h brido, metamorfoses do corpo em florescentes sonhos, variantes asa arcaica movendo Eros, armando a esfinge. Na p. 12, a desola o das tagarelas que se desprende, no texto, da express o Que chatice! , emerge como um grande alheamento do mundo, absorto, contrastando ali s com um jardim ainda t o exuberante. Na p.15, essa exuber ncia como que deliquesce na paisagem que cerca o lago; curiosamente aqui o humano das tagarelas parece regredir vegetalidade das flores por um esvaimento em l grimas turbando a gua l mpida, manchas frias as l grimas perante um t pido sol que arrefece. Na p. 21, essa espiral das rvores comprimindo-se na escassez de terra, parecem rodar na vertigem do que ser talvez esse Riso Verde , pese embora a aparente imobilidade; h um qu da estrutura dos tomos, electr es em torno do seu n cleo, coisa apertada, coesa, e ao mesmo tempo aberta no movimento em que est ; tamb m um cristal, um flash . Na p. 28, dessa imagem quase rom ntica, um tanto g tica, expressionista tamb m, intensa no lirismo, qual o motivo?; talvez esse Pronto! pronunciado pelo cientista; a imagem, algo imprevista face ao texto, discorre aqui sugerindo amores secretos que a narrativa n o afirma, e instigou, seduziu minha leitura.

N o tagarelo mais. Sugiro como exerc cio prazeroso a leitura das ilustra es nas pp.31, 32 e 41, muito em especial a que serviu para a capa, rosto do livro onde o cientista e a Risadinha s o surpreendidos, de costas, por uma qualquer suspeita de amores. No sil ncio, que a mais eloquente m sica dos amantes.

*

Esta hist ria, pela intensidade de um final tranquilo, um apagar-se em cinzas o braseiro da noite, traz a um derradeiro tempo a vida toda. Como que prolongando em n s essa festa que foi, esta hist ria inventada no desejo j t o cedo de nos revermos por a num outro pa s qualquer festa que passear por aqui esta hist ria l .

Assim adormece o vento. E no sono do vento, os tagarelas.



Domingos de Oliveira

S. F lix da Marinha
Agosto, 2004.






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