A NACIONALIZAÇÃO DA BANCA EM PORTUGAL - Nove meses a construir, nove anos a destruir

Carlos Gomes
História / Economia
Unicepe, 2011
Páginas - 192
Formato - 148x210 mm
Peso - 230 g
PVP - 8,00 €










Intervenção de Avelino Gonçalves de apresentação do livro

A NACIONALIZAÇÃO DA BANCA EM PORTUGAL
NOVE MESES A CONSTRUIR NOVE ANOS A DESTRUIR


de
CARLOS GOMES

(UNICEPE, 16 de Dezembro de 2011)

Saudação à UNICEPE. Ligação afetiva desde sempre. Dirigentes, funcionários, assembleias, saraus. UNICEPE é um oásis de diversidade.
Direção atual e seu Presidente. Agradecer o seu dinamismo e espírito de entrega.

Ao Dr. Carlos Gomes, o meu amigo Carlos Gomes queria agradecer o convite para que fosse eu a fazer esta apresentação. É uma honra que muito me sensibiliza.
Mas quero, principalmente, agradecer-lhe o livro, que entendo como um importante serviço à nossa democracia.

Da leitura deste livro resulta claramente uma forte ligação do autor aos movimentos dos trabalhadores e especialmente ao Movimento Sindical e às Comissões de Trabalhadores. As múltiplas referências a tomadas de posição de reuniões, plenários, seminários e congressos dos movimentos dos trabalhadores traduzem um profundo respeito e ligação às organizações de classe e o reconhecimento bem sublinhado da importância da intervenção cívica dos seus membros.

A biografia sumária do Dr. Carlos Gomes consta da contracapa do livro. Mas daí não consta, e acho de interesse referir, que no início ainda da sua carreira profissional, em virtude da posição assumida numa pugna sindical, aliás vitoriosa, o Dr. Carlos Gomes foi perseguido na empresa, preso pela polícia política, sofreu meses de prisão e foi despedido sem justa causa da Companhia de Seguros para a qual trabalhava.

Será ainda de acrescentar que na sequência do despedimento teve de lutar, dia atrás de dia, com a sua comparência combativa na empresa até que lhe fosse paga a indemnização a que tinha direito por despedimento sem justa causa.

Da biografia do Dr. Carlos Gomes que a capa reproduz transparece a sua alta preparação técnico-científica e o rigor e responsabilidade com que, sem perda da sua independência ideológica e política, sempre exerceu as altas funções que lhe foram confiadas.

Há dias, questionei-o provocatoriamente se nunca admitira ser banqueiro em vez de consultor e alto técnico bancário. Esclareceu-me que nunca sentira apetência pela área comercial da Banca e que se alguma vez o lugar lhe tivesse sido proposto o teria recusado.

Mas este mesmo homem não hesitou em Março de 1975 em assumir a pesada responsabilidade de coordenar a ação das Comissões Administrativas da Banca Nacionalizada do Norte e Centro do País.

Cumpriu essas funções com a competência e o rigor que sempre lhe conhecemos.

Pela minha parte, que fui empregado bancário durante 20 anos, ao serviço de dois diferentes bancos, e que conhecia o modo ligeiro, submisso, interesseiro e muitas vezes incompetente como atuavam muitas vezes diretores e outras chefes, foi uma lição inesquecível perceber como o Dr. Carlos Gomes discretamente, mas com o seu espírito de profissional exigente, exerceu essas funções de Coordenador da Banca:

O modo como instalou hábitos de rigor nos trabalhos do coletivo, como habituou o grupo à transparência de procedimentos, como planificou o calendário de reuniões e a distribuição de tarefas, como propôs, discutiu e fez adotar soluções organizativas, como concebeu e propôs uma estratégia geral compatível com os nobres objetivos para que a Banca Nacionalizada devia contribuir.

Não quero, não posso esquecer, tantos colegas bancários, técnicos ou diretores, que demonstraram a mesma disponibilidade e se empenharam com espírito de abnegação no cumprimento das suas funções como membros das Comissões Administrativas, alguns deles aqui presentes.

Nas suas funções de Coordenador, o Dr. Carlos Gomes sempre cultivou o estreitamento de relações com as estruturas sindicais e das comissões de trabalhadores, sempre incentivou que se ouvisse atentamente trabalhadores e empresários, ou as suas associações, se estudassem com abertura de espírito, mas sem populismo, as sugestões e reclamações apresentadas.

Atento a áreas de atividade fundamentais na região, criou o GIEST - Grupo de Intervenção e Estudo do Sector Têxtil, que em colaboração com os trabalhadores e seus representantes permitiu a subsistência de muitas empresas ameaçadas.

Procurando melhorar a eficiência dos bancos nacionalizados criou grupos de trabalho visando a criação de serviços comuns na área económica e jurídica, de formação de pessoal, do marketing e publicidade, da prospeção e promoção comercial.

Fez estudar a cobertura geográfica da Região Norte e Centro pelos estabelecimentos bancários, evidenciando-se graves desequilíbrios. Os distritos de Coimbra e Viseu, por exemplo, não dispunham de serviços bancários na maioria parte do seu território. Foram elaboradas propostas de correção destas assimetrias.

A nível nacional os bancos foram chamados a cooperar com as políticas económicas adotadas pelo governo e que fundamentalmente visavam:

    a) a manutenção do emprego e do funcionamento das empresas;
    b) o suporte ao investimento;
    c) o equilíbrio das contas externas.

Foi criado o Crédito Agrícola de Emergência (crédito de campanha) e medidas de apoio a PME industriais.

As Comissões Administrativas tiveram entretanto de gerir em condições determinadas superiormente pelo BP ou pelo Ministério das Finanças, que nem sempre tiveram na devida conta os interesses próprios da banca nacionalizada.

Taxas de juros nas operações ativas e passivas eram fixadas superiormente. Os depósitos a prazo tinham um grande peso no conjunto dos depósitos e a alta inflação verificada proporcionou taxas muito altas de remuneração desses depósitos.

Por outro lado, a taxa de redesconto no banco de Portugal apresentava diferenciais muito baixos relativamente às taxas cobradas no crédito concedido (diferenciais entre 0,25% e 1,75% conforme os prazos praticados).

Percebendo que os critérios prioritários na distribuição do crédito pela Banca Nacionalizada não deviam nem podiam ser os mesmos da banca privada, estabeleceu novas prioridades a saber:

    1) Finalidade do Crédito;
    2) Segurança dos créditos;
    3) Liquidez dos Bancos e, finalmente
    4) Rendibilidade dos Bancos.

Será oportuno lembrar que os Bancos portugueses foram nacionalizados na sequência de um golpe reacionário contra a democracia portuguesa em vias de institucionalização - o decreto de nacionalização foi assinado em 14 de Março, seis semanas antes da eleição da Assembleia Constituinte.

Por isso, os objetivos apontados à Banca Nacionalizada foram, como lembra o autor, o controlo efetivo do poder económico, a estabilização financeira, a salvaguarda dos interesses dos depositantes, a criação de emprego e atenuação da crise que atingia Portugal por contágio da crise capitalista de 73/75 e da acão da reação interna.

De um modo muito concreto, pretendia-se que a Banca Nacionalizada promovesse a mobilização das poupanças, o investimento nas PME, a satisfação das necessidades da população e a criação de postos de trabalho.

A Banca Nacionalizada tinha de fazer a diferença.

Há dias dizia-me o Dr. Carlos Gomes que nas sociedades atuais "o dinheiro é como o sangue da economia”. Mas também diz no seu livro como esse mesmo dinheiro gerido pelos bancos ligados aos monopólios e ao seu serviço era desviado deste fim através de procedimentos anómalos e muitas vezes ilegais.

Não resisto a recordar a sua referência a um banco com sede no Porto e cuja filial de Lisboa não dispunha (antes do 25 de Abril) praticamente de qualquer capacidade creditícia, o que era motivo de mal-estar até entre quadros dirigentes do banco, que solicitaram da Administração que apurasse as causas de tão anómala situação.

Nomeado um inquiridor e apresentado o seu relatório apurou-se que a dezenas de empresas propriedade de um administrador ou de seus familiares, cada uma delas dispondo de uns míseros 50 contos de capital tinham sido concedidos, a cada uma, empréstimos superiores a 150 mil contos. Estranhei os números e consultei o autor que, seguro como sempre, me respondeu que de facto de dezenas de empresas se tratava: exatamente noventa!

Estava demonstrado porque faltava capacidade creditícia a um banco que assegurava empréstimos de favor que se aproximavam dos 15 milhões de contos, sem que a este financiamento correspondesse atividade produtiva conhecida e sem quaisquer garantias.

Aliás, muitos aqui se recordarão como era prática corrente nas vésperas do 25 de Abril de 1974 a concessão de crédito para o jogo na Bolsa.

Recentemente, aliás, em casos como os do BPP, do BPN e do BCP, viemos a assistir a idênticas realidades.

A estrutura do livro do Dr. Carlos Gomes é simples e eficaz. Além do prefácio conta com cinco capítulos apenas: O primeiro sobre ANTECEDENTES (ao 25 de Abril); o segundo respeitante ao período entre o de 25 de Abril e a Nacionalização da Banca em 14 de Março de 1975; o terceiro respeitante ao período entre 14 Março e o fim de 1975, durante o qual as Comissões Administrativas provisórias exerceram o seu mandato; um quarto capítulo que trata a substância da Coordenação Regional do Norte da Banca Nacionalizada e, finalmente, o capítulo quinto respeitante ao período pós 1975 até à abertura da atividade bancária à iniciativa e propriedade privada nacional ou estrangeira.

Esta estrutura fundamentalmente calendarizada, que a princípio estranhei, veio depois a parecer-me justa e adequada aos objetivos do Dr. Carlos Gomes.

Ele quis, quer deixar-nos o testemunho de uma coordenação empenhada de uma estrutura que se pretendia que fosse posta ao serviço do Povo, da economia nacional e do país e que sempre, mesmo nos seus melhores momentos, teve de enfrentar incompreensões, sabotagens, obstáculos burocráticos, incapacidades e falhas de visão política, favorecimentos obscuros de interesses outros, privados, contrários ao interesse nacional.

Para tanto, para que esse testemunho melhor fosse entendido era preciso que o autor fizesse o enquadramento político, económico e social em que as Comissões Administrativas que coordenou exerceram as suas funções.

E por isso faz a caracterização da Banca portuguesa antes da Revolução de Abril: os bancos emissores - Banco de Portugal, Banco de Angola e Banco Nacional Ultramarino - todos eles, recorde-se, bancos privados, os bancos de investimento e os bancos comerciais, ainda relativamente numerosos, apesar do grande número de absorções e fusões que haviam já ocorrido nas décadas de 50 e 60.

Recorda igualmente as caixas económicas ainda existentes, as caixas de crédito agrícola, e os cambistas.

Depois, no período de Abril de 1974 até Março de 1975, recorda a nacionalização dos bancos emissores, a nomeação de delegados do Banco de Portugal junto dos bancos privados e a intervenção em algumas instituições parabancárias.

Recorda o encerramento da Bolsa em 29 de Abril de 1974 por decreto da Junta de Salvação Nacional.

O título escolhido A NACIONALIZAÇÃO DA BANCA EM PORTUGAL - NOVE MESES A CONSTRUIR, NOVE ANOS A DESTRUIR parece-me agora particularmente feliz.

Carlos Gomes recorda a banca do período fascista e como ela se entrosava com os monopólios capitalistas que se desenvolveram nas últimas dezenas de anos de Salazar e Caetano.

Carlos Gomes lembra a luta dos bancários e como ela se integrava na luta do povo trabalhador pela liberdade, pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores e pelo desenvolvimento do País.

Carlos Gomes recorda a acão dos militares e o modo como ouviram e interpretaram os sentimentos antimonopolistas.

Carlos Gomes destaca a cooperação POVO-MFA na luta contra a crise capitalista e pelo desenvolvimento económico e social do País:

  • Lembra esforços de recuperação de PME por virtude da cooperação do MFA com os trabalhadores;
  • Lembra o esforço junto do Povo e dos emigrantes no sentido de os ganhar para a confiança na Banca Nacionalizada;
  • Recorda e louva a cooperação muito generalizada dos trabalhadores bancários;
  • Traz à memória a luta sistemática e organizada das estruturas representativas dos trabalhadores;
  • Assinala o esforço no sentido do crescimento da produção nacional e da melhoria da nossa Balança Comercial e de pagamentos

    Mas também regista, indignado, os tropeços colocados no caminho da Banca Nacional, até por parte de quem tinha o dever de a defender, nomeadamente do Banco de Portugal e de certas estruturas do Ministério das Finanças.

    Assim como evidencia as manobras, as políticas encapotadas contra as conquistas do 25 de Abril por parte de Governos pós-Agosto de 75, a utilização de mentiras e falsidades na preparação da privatização da Banca, como o argumento, falso, de que a adesão à CEE impunha as privatizações.

    O Dr. Carlos Gomes, não quis fulanizar denúncias e acusações, mas deixa pistas seguras - datas, leis e decretos, etc. - que permitem reconhecer quem foram os inimigos da Banca Nacionalizada e, em geral, do Sector Empresarial do Estado.

    Com a recuperação da direita a nível do poder político, a nacionalização da Banca ficou a meio do caminho.

    Os bancos retomaram as práticas concorrenciais do passado

    A reestruturação do sector, apesar de um estudo a nível nacional ter permitido chegar a propostas consensuais, não avançou.

    O BP nada fez nesse sentido; o Governo, pela sua parte, recomendou que as "as estruturas bancárias fossem ajustadas aos padrões correntes nos países da CEE" e entretanto avançou para a criação ou permissão de constituição de atividades parabancárias (IFADAP, PARAEMPRESA, FINANGESTE, Sociedades de Desenvolvimento Regional).

    As Filiais de Bancos Portugueses no estrangeiro autonomizaram-se e muitas vezes comportaram-se contra os interesses da economia nacional, retendo os fundos dos emigrantes ou mesmo desviando-os para estruturas financeiras criadas pelos antigos banqueiros.

    Os anos de 1982/1983 foram anos de acesa luta em torno do sector bancário e segurador nacionalizado.

    Os bancários realizaram numerosas e muito participadas reuniões, plenários e congressos das estruturas sindicais e das comissões de trabalhadores e promoveram mesmo uma concentração de rua na Baixa lisboeta em defesa da Banca Nacionalizada.

    Carlos Gomes fala dos "anos fabulosos de1982/1983” ao recordar essas lutas.

    Mas a tudo isso o Governo se mostrou cego e surdo, trabalhando para a destruição da Banca Nacionalizada, para a destruição do Sector Público Empresarial, aparentemente obcecado pelas sereias neoliberais que defendiam as privatizações como o elixir do êxito económico e financeiro que a entrada na Europa dos monopólios parecia prometer.

    Hoje conhecemos o desastre a que essa política antinacional nos conduziu pondo em causa o bem-estar dos trabalhadores e do Povo, destruindo o nosso aparelho produtivo, deixando-nos na dependência financeira do exterior, ameaçando a nossa independência e identidade nacional e abrindo à nossa frente o caminho de um retrocesso social e civilizacional.

    Tudo isso é escalpelizado neste livro precioso que o Dr. Carlos Gomes nos legou e que devemos agradecer-lhe, este livro pelo qual o felicito e que agradeço.







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